Crítica | Acabe Com Eles

Acabe Com Eles (Irlanda, Reino Unido e Bélgica, 2024)
Título Original: Bring Them Down
Direção: Chris Andrews
Roteiro: Chris Andrews e Jonathan Hourigan
Elenco principal: Christopher Abbott, Barry Keoghan, Colm Meaney, Nora0Jane Noone, Paul Ready, Aaron Heffernan, Susan Lynch e Conor MacNeill
Duração: 106 minutos
Disponível em: Mubi

“Acabe com Eles” é um retrato de masculinidade contida e rancores antigos que se tornam armas capazes de ferir todos ao redor.

Pastores em guerra

Na paisagem rural e gelada do interior da Irlanda, vivem duas famílias de criadores de ovelhas. Michael (Christopher Abbott) mora com seu pai Ray (Colm Meaney), que está em uma cadeira de rodas. Os dois têm uma relação distante, pouco verbal e bastante hierárquica, na qual o pai manda e o filho obedece. Ao ser informado de que duas ovelhas do seu rebanho estão mortas, Michael, sob orientação do pai, vai tirar satisfação com a família de Caroline (Nora-Jane Noone) e Gary (Paul Ready), dando início a uma disputa sangrenta que pouco tem a ver com as ovelhas, mas sim com o passado.

A história antiga entre Caroline e Michael deixou marcas internas e externas. Externamente,uma cicatriz que cobre o lado esquerdo do rosto da mulher, resultado de um acidente de carro trágico na época em que os dois namoravam. Internamente, a relação adormecida ainda é motivo de ciúmes para o atual marido Gary. Esse sentimento passa por tabela para o filho Jack (Barry Keoghan), que toma as dores do pai e se torna o grande antagonista do filme. 

Ovelha por ovelha: um ciclo de vingança e violência

No primeiro longa-metragem do diretor Christopher Andrews, o que não é verbalizado se transforma em raiva numa sequência de afrontas e ataques que faz escalar a violência na tela. Enquanto Michael carrega o fardo da culpa do acidente que marcou Caroline e vitimou sua própria mãe, Jack é motivado pelo medo da separação de seus pais. Na estrutura do filme, as duas narrativas são exploradas, nos dando respostas aos ‘porquês’ e ‘comos’, por mais deturpados que eles sejam. No fim, a gente entende, mas não dá pra defender ninguém.

Michael x Jack: personagens complexos

A carga interna de Michael é simbolizada pelo peso físico de cuidar do pai inválido e do rebanho. A atuação de Christopher Abbott é condensada, introspectiva, conseguindo a afeição do público, tendo em vista as várias injustiças cometidas contra ele. Mesmo se sentindo na obrigação de revidar, sua natureza o faz, muitas vezes, ajudar seus próprios agressores.

Já a atuação de Keoghan lembra bem seus papeis em O Sacrifício do Cervo Sagrado (2017), Os Banshees de Inisherin (2022) e Saltburn (2023), trazendo uma atmosfera imprevisível e magnética que mistura inocência dissimulada e resquícios de crueldade. 

Apesar das diferenças, os personagens rivais têm algo em comum: agem como as ovelhas do rebanho, ora conformistas, cumprindo regras e ordens dos outros — seus pais ou primos mais experientes, no caso da influência que Lee (Aaron Heffernan) tem sobre Jack —, ora como a ovelha desgarrada, se rebelando e cometendo atrocidades. Essa contradição é fruto de uma educação bruta em que a demonstração de afeto ou qualquer tipo de vulnerabilidade é constantemente suprimida.

Visual e trilha: por dentro dos personagens

As paisagens montanhosas e de campo aberto do interior da Irlanda dão ao drama um ar denso, gelado, com cenas lentas e agonizantes que nos trazem a dimensão do quão isolados os personagens estão — geograficamente e emocionalmente. A trilha nos transporta para aquela realidade tão bruta e dolorosa, além de gerar expectativa para cenas de agressão física que irrompem principalmente a partir da metade do longa.

A disputa entre as famílias também revela uma queda de braço entre modernidade e tradição. A família de Jack e Gary ostenta um estilo de vida mais confortável (mesmo estando endividada), criando um contraste com a paisagem local, enquanto a família de Michael e seu pai é mais humilde e resistente às mudanças — eles se comunicam no dialeto gaélico irlandês, num sinal de apego e preservação de suas origens.

E aí, vale a pena?

Masculinidade tóxica, culpa e vingança — este é um filme que, por meio do silêncio de seus personagens, abre diálogos sobre saúde mental e heranças emocionais, evidenciando que as consequências dos conflitos internos, ciúmes e situações não resolvidas que carregamos conosco sempre se externalizam em forma de ressentimento e violência.

No entanto, as mulheres acabam ficando em segundo plano, como vítimas, mesmo que não submissas, do contexto patriarcal que é ainda mais forte naquele lugar. O roteiro poderia ter contemplado a relação anterior entre Michael e Caroline, trazendo mais da visão, da dor e das escolhas dela.

Se você curte um dramalhão com um início enigmático, cheio de metáforas psicológicas e com pitadas de ação, vale a pena assistir. O filme foi produzido pelo MUBI e está disponível na plataforma de streaming.

1 comentário em “Crítica | Acabe Com Eles”

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