Crítica | Adeus, Garoto

Adeus Garoto (Itália, 2024)
Título Original: Ciao Bambino
Direção: Edgardo Pistone
Roteiro: Ivan Ferrone e Edgardo Pistone
Elenco principal: Marco Adamo, Anastasiia Kaletchuck, Luciano Pistone, Pasquale Esposito, Salvatore Pelliccia, Sergio Minucci, Luciano Gigante e Attilio Peluso
Duração: 100 minutos
Distribuição brasileira: Pandora Filmes

Entre lirismo e ruína: a estreia promissora de Edgardo Pistone em Adeus, Garoto

O cinema italiano tem, historicamente, uma forte tradição em representar as periferias urbanas e os dramas sociais que delas emergem — de Ladrões de Bicicleta (1948) a Gomorra (2008), passando por Accattone (1961) e A Ciambra (2017), são inúmeros os filmes que exploram a tensão entre miséria material e dignidade humana. É nesse espírito, mas com linguagem própria e estética singular, que Adeus, Garoto (Addio, Ragazzo), estreia de Edgardo Pistone, se insere. O longa, filmado em Rione Traiano, bairro periférico de Nápoles onde o cineasta nasceu, alia crueza social e poesia visual para construir uma narrativa marcada pelo contraste entre o belo e o brutal.

A abertura do filme já sintetiza esse gesto estilístico. Jovens saltam para o mar, um a um, numa espécie de coreografia silenciosa e hipnotizante. O enquadramento, que nunca revela de onde eles pulam e a fotografia em preto e branco conferem à cena uma abstração estética que remete à dança — ou talvez a um ritual. Mas esse encantamento é logo subvertido: após a sequência contemplativa, os mesmos garotos assaltam turistas na praia. Essa oscilação entre o sublime e o violento estrutura o filme inteiro — como se a beleza, naquele espaço, fosse sempre interrompida pela realidade.

O protagonista, Attilio (Marco Adamo), é um adolescente imerso nesse cotidiano contraditório. Ele aceita vigiar Anastasia (Anastasiia Kaletchuk), uma jovem prostituta que atende clientes num carro abandonado à beira-mar. Ao longo da narrativa, o vínculo entre eles se intensifica, e Attilio nutre a esperança de fugir com ela, mesmo sabendo que precisa antes saldar a dívida do pai com um traficante local. O pai, viciado em drogas e figura ausente, representa o peso de uma herança que condena o filho a repetir um ciclo de fracasso e desamparo.

É notável a forma como Pistone filma os afetos — não com pieguismo ou exagero, mas com um cuidado que beira o silencioso. Os gestos são mínimos, as emoções rarefeitas. Quando Attilio chora diante do pai, a câmera o enquadra em primeiro plano, deixando o causador de sua dor no fundo, em sobreposição, criando uma imagem que diz mais que o diálogo. Em outro momento, um simples movimento de câmera em direção a uma janela revela, com delicadeza, a vontade de escapar.

A trilha sonora, composta por canções italianas ora nostálgicas, ora irônicas, também contribui para esse clima ambíguo: um mundo onde o amor adolescente dança sobre ruínas, mas onde o concreto da marginalidade logo se impõe. A montagem, que inclui colagens de vídeos caseiros e trechos de memória, especialmente ligados a Anastasia, sugere uma dimensão sensorial que contrasta com o mundo opressor ao redor. São elementos que apontam para uma possível assinatura autoral, que talvez venha a se confirmar nos trabalhos futuros do diretor.

Apesar dos muitos acertos formais, Adeus, Garoto não escapa de certos tropeços, sobretudo no desenvolvimento do roteiro. Há conflitos que permanecem subexplorados, personagens coadjuvantes que surgem e desaparecem sem impacto, e diálogos que, em alguns momentos, soam artificiais ou excessivamente expositivos. Falta ao texto dramático a mesma ousadia que Pistone demonstra na direção. Ainda assim, o equilíbrio entre forma e conteúdo é suficiente para sustentar uma narrativa emocionalmente envolvente.

O mais admirável, no entanto, talvez seja a recusa do filme em oferecer esperanças fáceis. Ao contrário de produções que romantizam a pobreza ou que apostam em finais redentores, Adeus, Garoto entende que, para muitos, a realidade é um ciclo fechado, difícil de ser rompido. O plano final — que ecoa o início, como um loop — reforça essa ideia: aquilo que parece liberdade pode ser só uma repetição disfarçada de voo.

Edgardo Pistone estreia com um filme que, mesmo imperfeito, revela um olhar maduro, atento e autoral. Adeus, Garoto não é apenas uma promessa para o cinema italiano contemporâneo — é a prova de que ainda é possível fazer um cinema social que emociona sem apelar, que denuncia sem espetacularizar e que, sobretudo, enxerga poesia onde quase ninguém mais ousa procurar.

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