Crítica | Bailarina

Bailarina (EUA, 2025)
Título Original: Ballerina
Direção: Len Wiseman
Roteiro: Shay Hatten e Derek Kolstad
Elenco principal: Ana de Armas, Keanu Reeves, Ian McShane, Anjelica Huston, Gabriel Byrne, Catalina Sandino Moreno, Ava Joyce McCarthy e Juliet Doherty
Duração: 125 minutos
Distribuição brasileira: Paris Filmes

É raro uma franquia conseguir emplacar quatro filmes em sequência com críticas muito positivas. John Wick conquistou esse feito em 2023 após o lançamento de seu filme final (até o momento). Com o sucesso de bilheteria e crítica veio a necessidade do estúdio de manter a franquia viva, mas quando o diretor, Chad Stahelski e o astro principal, Keanu Reeves se recusaram a anunciar um quinto filme, o foco passou para possíveis derivados – a ponto de o quarto filme introduzir várias personagens novas que pouco acrescentam à narrativa principal, mas abrem caminho para novas histórias. Assim chegamos em Bailarina

O filme tem a difícil missão de dar continuidade à uma franquia que, apesar de jovem, já se estabeleceu como um clássico do cinema de ação. Mesmo não sendo o primeiro derivado (a minissérie The Continental foi lançada no Amazon Prime Video poucos meses depois do lançamento do quarto filme), é o primeiro longa a ser exibido nos cinemas e ainda traz uma participação especial do próprio Reeves. Além disso, é o primeiro filme da franquia a trazer uma mulher como protagonista. Na falta de mais pressão: é o último filme de Lance Reddick, que faleceu em março de 2023 e teve a chance de atuar como Charon uma última vez nas semanas finais da produção. 

Tudo isso, somado à mudança na direção, com Len Wiseman assumindo o posto de Stahelski, deixou o público em uma mistura de empolgação e apreensão. Por um lado, é incrível poder retornar para este universo e o ver expandir ainda mais. Por outro, se o sucesso dos quatro filmes originais se deu pela soma de direção, elenco e roteiro, mudar toda a equipe ainda resultaria em algo com a mesma qualidade? Para piorar, o filme sofreu um adiamento de um ano e passou por longas refilmagens, gerando boatos de que Stahelski teria regravado a maior parte das cenas de ação do filme sem a presença de Wiseman no set. 

Todas essas questões de bastidores à parte, o fato é que a franquia conseguiu entregar mais um belo filme de ação. Como todo bom derivado, Bailarina não é John Wick, mas honra o nome.

O primeiro ato do filme se dedica a nos explicar a história de Eve (Ana de Armas) e mostrar o incidente que motiva a vingança que ela busca. É uma história clichê: o pai se envolve em uma briga de gangues e acaba sendo morto por uma delas, na frente de uma Eve ainda criança. Tudo o que resta à menina é a visão da marca do grupo, um X marcado na perna de um dos assassinos de seu pai – em um plano que destaca a cicatriz e deixa claro para o público que ainda veremos essa marca novamente. Ela consegue fugir e é acolhida por uma personagem já muito adorada da franquia: Winston (Ian McShane), o dono do Hotel Continental de Nova Iorque. Além de entregar uma das famosas moedas douradas do hotel para a menina, ele a leva para a Diretora (Angelica Houston), a líder da outra gangue com quem seu pai estava envolvido: a Ruska Roma, onde ela será acolhida como parte da família e treinada para se tornar uma bailarina e assassina profissional. 

O problema com essa longa introdução é que tudo é mostrado de forma um tanto brega. Os diálogos são pouco naturais, a tentativa de gerar drama com uso de trilha e câmera lenta não funciona e há momentos que chegam a ser constrangedores, como quando durante o treinamento dela, a treinadora (Sharon Duncan-Brewster) diz que “se ela quer vencer homens em uma luta ela precisa ‘lutar como uma garota’”.

Passada esta parte, finalmente chegamos na primeira missão de Eve. É interessante acompanhar a personagem em um momento de tanta fragilidade e questionamentos. É a primeira vez que ela está em campo e precisa agir sem a margem de segurança do treinamento. É também a primeira vez na franquia em que vemos a personagem principal ser mais experiente nas lutas do que seus inimigos. 

Daí pra frente, vemos uma montagem de missões em que Eve sempre sai um pouco abatida, mas vitoriosa. Até que o óbvio acontece: ela reencontra o X na pele de um dos homens contra quem luta – a marca da gangue responsável pela morte de seu pai. Aqui, a direção tem outro momento de deslize ao decidir mostrar um flashback da cena que vimos há poucos minutos da Eve criança vendo a marca pela primeira vez. É como se Len Wiseman nunca confiasse na capacidade de raciocínio de seu público e isso mais nos afasta do filme do que nos acolhe. 

Está dada a largada da busca por vingança de Eve. É hora de o público apertar os cintos e se permitir ser levado pela viagem de adrenalina que a franquia sempre nos propõe e entrega. E é exatamente isso que recebemos na segunda metade da projeção. Sequências de ação sensacionais que parecem emendar umas nas outras quase ininterruptamente e que vão carregando a narrativa do filme para frente de forma fluida. 

É ótimo não saber o destino da personagem, principalmente a partir do momento em que John Wick entra em sua história. Ele, sabemos que sobreviverá (a história se passa entre o 3º e o 4º filme da narrativa original). Com ela, tudo pode acontecer – e logo entendemos que é ela sozinha contra uma gangue inteira de ótimos lutadores e assassinos. Isso tudo gera uma tensão sobre até onde Eve conseguirá carregar o seu plano e, enquanto ela não chega em seu objetivo final, nos resta assistir a cenas incrivelmente inventivas de lutas corpo-a-corpo com as mais variadas armas.

A inventividade do filme é realmente surpreendente e um ponto muito positivo para quem está acostumado com os filmes do gênero. Eve é colocada nas situações mais absurdas e precisa se virar com o que tem ao seu alcance. Em um dado momento, são apenas granadas. Em outro, facas dos mais diversos tipos. Em outro, ferramentas de obras. Em outro, ela mesma cria uma nova arma, misturando dois armamentos que já utilizou antes no filme – e aqui vemos que a direção, além de buscar inovar, tem noção de que seria repetitivo em um filme que tem tantas cenas de luta se ela simplesmente usasse as armas da mesma forma de novo. Além disso, muitas cenas tem um toque de humor inesperado e que funciona muito bem, como em um momento que beira o ridículo (da melhor forma possível) em que Eve e sua contraparte perdem uma pistola embaixo de um monte de pratos e ficam procurando enquanto usam os próprios pratos como armas. 

Ao final da sessão, a sensação é de missão cumprida. Independente do resultado da missão da personagem, o filme cumpre a sua, mesmo com seus deslizes e tropeços. A participação de John Wick tem um bom tempo de duração e é bem utilizada. A duração do filme em si não chega a ser cansativa, mas também não parece pouco. O filme deixa portas abertas para outros derivados. Fica explícito que o universo da franquia não tem barreiras e que os produtores pretendem explorá-lo enquanto for lucrativo. É difícil (e nem cabe a um crítico) dizer o quanto de influência Stahelski teve no resultado final, mas há planos – principalmente nas cenas de Reeves – que trazem a assinatura dele, quase como quem faz questão de deixar uma cicatriz em forma de X na película do filme. O que importa é que deu certo. Por mim, eles podem continuar explorando esse universo o quanto quiserem, enquanto os filmes e séries honrarem o selo de qualidade que o título John Wick carrega como Bailarina honra. 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima