Crítica | Bridget Jones: Louca Pelo Garoto

Para além do romance clichê, Bridget Jones retorna aos cinemas em nova adaptação com jornada sobre amadurecimento e liberdade feminina.

Quando Helen Fielding publicou a primeira coluna com o pseudônimo de Bridget Jones no jornal The Independent em 1995, ela não imaginava que se tornaria a Jane Austen do século XXI. Apesar de a primeira novela da personagem fictícia ser livremente inspirada no célebre romance de Austen Orgulho e Preconceito, é incontestável que Jones é única – apesar de seus conflitos serem universais – porque o texto de Fielding é único, e, enquanto Fielding existir, Bridget Jones também continuará viva. Diante disso, após quatro best-sellers e três filmes, a vida continua e chega aos cinemas Bridget Jones: Louca Pelo Garoto.

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A jornalista britânica mais famosa da ficção está começando um novo capítulo em sua história após uma morte inesperada. Lidando com o luto e o envelhecimento natural, Jones se sente estagnada profissionalmente, insegura como mãe solo de dois filhos e completamente fora do jogo do amor. Novamente, a vulnerabilidade toma conta e ela duvida de si mesma. Será que o caos vai se instalar de vez? Ou um novo romance clichê trará de volta o “felizes para sempre”?

Dúvidas: esse é um bom substantivo para falar sobre Bridget Jones: Louca Pelo Garoto, porque, após três filmes, apesar de a personagem viver com dúvidas sobre suas decisões acerca do amor, carreira e futuro, é como se o espectador já tivesse certeza do que vai acontecer com a personagem. Ela e Mark Darcy vão se separar, os conflitos acontecerão e eles terminarão juntos de novo. Fim da história. Sobem os créditos. Ponto final.

Essa foi a impressão que ficou do universo criado por Fielding (que, além de autora dos livros, também assinou o roteiro de todos os filmes), principalmente após Bridget Jones: No Limite da Razão e O Bebê de Bridget Jones, que decaíram de qualidade se comparados ao original. Entretanto, a adaptação do quarto livro nos mostra que ainda temos mais a ler e assistir sobre Jones. Ela amadureceu. É isso que surpreende o espectador que acompanhou a narrativa da personagem-título ao longo das décadas.

Logo no primeiro ato, nos é revelado que Mark Darcy, a alma gêmea da última romântica do mundo, se foi. E a minha reação – assim como a de alguns colegas críticos que também estavam na sessão de imprensa – foi um bufar de insatisfação. Novamente, um personagem ia aparecer morto sem mais explicações, assim como fizeram com o personagem de Hugh Grant no terceiro filme da franquia? Me questionei. A sensação de que Bridget Jones: Louca Pelo Garoto seria mais do mesmo, uma sequência vazia que apela para a nostalgia, como tantas produções de Hollywood têm feito, me incomodou. Essa primeira impressão foi um equívoco, porque, por mais que o filme apele para a nostalgia vez ou outra, ele é bem mais que isso.

Apesar das temáticas serem basicamente as mesmas, Bridget Jones lida com elas de maneiras diferentes. Ela está em uma nova fase da vida e beira o estigma da mulher de meia-idade decadente, solteirona e com filhos que já passaram do seu auge. Ao contrário dessa corrente que a puxa para ficar no sofá da sua sala assistindo Netflix e comendo um sorvete, ela se arrisca e decide pelo recomeço. Retoma sua carreira, tem um affair com um homem mais jovem, sai para se divertir com as amigas e curte os filhos, independente da competitividade das outras mães. Esse olhar para o amadurecimento feminino como uma época frutífera e aberta a novas realizações vem ganhando espaço nas telas. Estreias recentes do streaming, como Uma Ideia de Você e Canina, são fontes de inspiração para a liberdade feminina de mulheres como Bridget Jones.

Ademais, Bridget Jones: Louca Pelo Garoto reforça que, não importa o que aconteça, Renée Zellweger sempre estará pronta para viver a personagem e performar um sotaque britânico com carisma. Em 2020, quando Zellweger venceu o segundo Oscar de sua carreira por Judy: Muito Além do Arco-Íris, parecia que ela estava de volta a Hollywood com o “comeback” perfeito, entretanto, isso apenas lhe rendeu alguns papéis esquecíveis na TV. Ainda assim, cinco anos depois, ela volta a interpretar Jones e reencontra seu oásis no cinema. Ela continua sendo uma estrela.

O texto segue sendo outro destaque da franquia. Ritmado, dinâmico e cheio de referências à cultura pop, o roteiro de Helen Fielding, Dan Mazer e Abi Morgan tira gargalhadas sinceras do espectador com os pensamentos intrusivos narrados por Jones e pelos diálogos entre a jornalista e sua ginecologista, que conta com uma participação hilária de Emma Thompson. Essa relação de cumplicidade entre as duas revela um dos melhores conselhos já dados à protagonista, e também a muitos de nós: “aceite o caos”. Veja, você vai ao cinema assistir a um filme pipoca e ganha uma sessão de terapia.

Portanto, Bridget Jones: Louca Pelo Garoto pode parecer, à primeira vista, um romance clichê despretensioso e, de fato, é em sua essência, mas encontra formas de transcender isso sem perder sua leveza. O tom clássico do gênero com algumas pinceladas de conflitos modernos acessa o que faz do roteiro original instigante, é irreverente sem deixar de ser dramático.

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