Coração de Lutador: The Smashing Machine (Estados Unidos, 2025)
Título Original: The Smashing Machine
Direção: Benny Safdie
Roteiro: Benny Safdie
Elenco principal: Dwayne Johnson, Emily Blunt, Ryan Bader, Bas Rutten e Oleksandr Usyk
Duração:120 minutos (2h)
Distribuição: Diamond Films
Na melhor atuação de Dwayne Johnson, Coração de Lutador brilha mais fora dos ringues do que dentro dele
Coração de Lutador começa como a maioria das cinebiografias hollywoodianas: com as letrinhas que oferecem o contexto básico sobre quem é o biografado e o recorte temporal escolhido. Contudo, apesar do início protocolar, o filme se propõe a ir além. Benny Safdie, que assina direção e roteiro, desconstrói o estereótipo de valentão enquanto expõe a masculinidade frágil do protagonista.

Mark Kerr (Dwayne Johnson) se aventurou no MMA (Artes Marciais Mistas) antes de o esporte se tornar um fenômeno mundial e ganhar respeito com o UFC (Ultimate Fighting Championship), tornando-se um de seus precursores. Era a época em que “valia tudo”: de mordidas a joelhadas na cabeça e até dedo no olho.
A cena introdutória explica o apelido “Smashing Machine”. Assistimos a uma luta violenta em que ele destroça o adversário, enquanto sua própria narração aspiracional em uma entrevista revela que a sensação de ser imbatível é o que alimenta sua paixão pela pancadaria. Coração de Lutador, todavia, não é sobre a “máquina de esmagar”, mas sobre o ser humano por trás dela.
Mark pede com gentileza a outro passageiro que abra a persiana do avião para ver o pôr do sol, agradece com mansidão à namorada por preparar uma vitamina com leite desnatado em vez do integral e conversa com uma senhora na sala de espera de um consultório, ao mesmo tempo em que dá um autógrafo para o neto dela e o aconselha: “Nada de brigas”. São em cenas simples, mas simbólicas, que Safdie nos aproxima de um personagem cuja violência é o vetor profissional.
O Mark Kerr que interessa a Safdie, porém, é também complexo e sombrio. Para ser invencível no tatame, o lutador se entope de opióides e analgésicos que anestesiam seu corpo a cada embate. Mas isso não o leva muito longe. Sua primeira derrota vem acompanhada do nocaute emocional da namorada: “Você perdeu uma luta. E daí? Supera isso logo”, dispara ela.
A dinâmica entre os dois é o ponto alto do longa. Dwayne Johnson se entrega de corpo e alma ao papel. E não é apenas porque perdeu quase 30 quilos na preparação ou ficou quase irreconhecível para se aproximar do personagem real — como costuma ser exaltado em discursos sobre atuações “dignas de Oscar”. O que impressiona é a maneira como explode em ataques de raiva contidos nas rachaduras dos músculos, as mudanças repentinas e críveis ao enfrentar o vício e a relutância em escapar da masculinidade que o aprisiona, até ser inevitavelmente confrontado por ela após uma derrota.
Do outro lado do tatame, como coadjuvante que se destaca sem precisar de protagonismo, está Emily Blunt. Depois de viver a assistente invejosa em O Diabo Veste Prada, a grávida sobrevivente em Um Lugar Silencioso e a esposa do criador da bomba atômica em Oppenheimer, Blunt revela um novo registro aqui. Sua interpretação como a namorada perua e emocionalmente dependente de Mark está entre a sensualidade de Margot Robbie em O Lobo de Wall Street e a energia escandalosa de Alexa Demie em Euphoria.
O drama envolvente do casal instável é embalado por uma fotografia saturada e granulada, que confere tom documental com sua câmera discreta e zooms rápidos — méritos do diretor de fotografia Maceo Bishop. Do mesmo modo, a composição jazzística de Nala Sinephro acelera e desacelera o ritmo da narrativa, oferecendo uma trilha sonora que explora uma ampla gama de instrumentos.
Também diretor do caótico Jóias Brutas e co-criador da inusitada série The Curse, Benny Safdie acompanha a autoralidade da parte técnica com escolhas criativas que fogem da estética padrão das cinebiografias. Por outro lado, seu roteiro cai em armadilhas da linearidade, buscando se aproximar de obras premiáveis do gênero. É um duelo entre romper e se agarrar às convenções narrativas que tornam o envolvimento com Mark Kerr e sua trajetória, por vezes, mais estável do que poderia ser.
Se há algo que Coração de Lutador realiza de forma exemplar, é a tridimensionalização da personalidade do biografado sob sua própria perspectiva. Mais do que relembrar o nome de um atleta esquecido que marcou a história do MMA, o filme encara o lado humano de Mark Kerr — e dá ao rosto de The Rock o melhor trabalho de sua carreira.