Desconhecidos (EUA, 2023)
Título Original: Strange Darling
Direção: JT Mollner
Roteiro: JT Mollner
Elenco principal: Willa Fitzgerald, Kyle Gallner, Madisen Beaty, Bianca A. Santos, Steven Michael Quezada, Ed Begley Jr., Barbara Hershey e Denise Grayson
Duração: 97 minutos
Distribuição brasileira: Paris Filmes
Parte da magia do audiovisual e, principalmente, da linguagem cinematográfica, está em sua habilidade de manipular os sentimentos de seu espectador, fazendo com que ele trilhe um determinado caminho de sentimentos que dependem da direção, roteiro e edição do filme. Quando isto é feito de maneira adequada e bem pensada, como é o caso de Desconhecidos, é muito difícil que a obra não seja apreciada pelo público, e o resultado é passarmos por essa jornada exatamente como o diretor pretendia: na beira do assento, prendendo a respiração.

Talvez o maior recurso que a obra utiliza é uma divisão em seis capítulos (e um epílogo) que fazem sentido quando colocados em uma ordem direta, mas que nos são apresentados de maneira não linear. Começamos no terceiro capítulo, no qual vemos A Mulher (Willa Fitzgerald) fugindo do Demônio (Kyle Gallner). Quando isso é somado à cartela que apresenta o filme falando que está mostrando as últimas mortes realizadas por um assassino serial famoso, é fácil completar os vazios deixados para criar uma imagem sólida na cabeça sobre os acontecimentos. Mas, considerando a montagem peculiar, o filme realiza a mágica de apresentar informações sabidas pelos personagens, mas não pelo público, a cada novo capítulo.
Podemos somar a esse rigor na estrutura da narrativa um rigor técnico que também funciona a favor do longa. É notável, por exemplo, o uso de cores fortes pela direção de arte, tanto nos ambientes internos quanto nas escolhas de figurinos. A Mulher, por exemplo, aparece inicialmente em um traje de hospital completamente vermelho, complementado pelo seu carro clássico igualmente carmim. Sua roupa é complementada pela do Demônio, que aparece em uma clássica camisa xadrez associada aos caçadores, com sua carabina assustadora – e igualmente vintage. Todas as composições que vemos em tela parecem pensadas para causar um impacto, e elas realmente conseguem ajudar na manipulação dos espectadores.
Com todos esses aspectos de controle colocados em tela tanto de maneira formal quanto dentro da narrativa, é necessário fazer uma observação atenta para refletir sobre algumas associações que estão na trama. A PARTIR DAQUI, EU RECOMENDO QUE VOCÊ VEJA O FILME ANTES DE TERMINAR A LEITURA (SIM, SPOILERS). Um dos principais incômodos com a obra é a associação de práticas fetichistas com quaisquer outras violências não consensuais. Este é um estereótipo muito comumente colocado em filmes, mas que já traz consigo um moralismo sexual implícito muito complexo e enraizado na sociedade. É claro que isso pode acontecer, mas colocar em tela, mais uma vez, dois personagens absolutamente transtornados que se encontram para supostamente ter um encontro sadomasoquista consensual é, além de clichê, um tanto pejorativo.
Para além disso, o filme brinca bastante com a ideia de uma violência contra a mulher sendo utilizada pela protagonista como uma desculpa para nunca ser pega. Ainda que ele deixe bastante claro que o está fazendo apenas como um recurso narrativo, considerando até mesmo a história recente de Hollywood e a descredibilização do movimento #MeToo a partir de pouquíssimas denúncias falsas, talvez o tema seja tratado com excessiva leviandade em tela. Ainda que ele não o faça de maneira jocosa ou tente colocar uma das personagens em tela como quem está correto na história – pelo contrário, ele deixa claro que ambos estão errados – há um assunto sensível que pode causar um impacto negativo em suas audiências.
Assim, observando o filme com atenção e utilizando o senso crítico para ultrapassar o controle imposto pelo diretor sobre a narrativa, é possível e provável que o espectador se divirta. Entre a ação e todas as inversões de roteiro, existe a garantia de que não há cinco minutos tediosos ou mal aproveitados dentro da obra.