Crítica | Especial Halloween | Jogo Perigoso

Jogo Perigoso (EUA, 2017)

Título Original: Gerald’s Game
Direção: Mike Flanagan
Roteiro: Mike Flanagan e Jeff Howard (baseados no livro de Stephen King)
Elenco principal: Carla Gugino, Bruce Greenwood, Chiara Aurelia, Carel Struycken, Henry Thomas e Kate Siegel
Duração: 103 minutos (1h43min)

Para o bem ou para o mal, 2017 foi um grande ano para as adaptações dos materiais de Stephen King, algo em escala muito semelhante ao que os anos 90 representaram para o autor com Louca Obsessão, Um Sonho de Liberdade e À Espera de um Milagre, para não mencionar exemplos menores. De qualquer forma, o foco em cima das histórias imaginativas de King rendeu uma série do conto The Mist, Mr. Mercedes, o filme A Torre Negra, o batedor de recordes It – A Coisa e este Jogo Perigoso, que foi lançado timidamente pela Netflix na época.

Publicada há mais de vinte anos, a história Gerald’s Game, adaptada por Mike Flanagan, parte de uma premissa banal até mesmo para os padrões de preferência de Stephen, onde o casal Jessie (Carla Gugino) e Gerald (Bruce Greenwood) resolvem lutar contra o marasmo da relação e embarcar em tentativas de apimentar seu casamento numa casa em meio à floresta,. O marido propõe prender a esposa à cama com algemas, o que quase imediatamente desperta em Gerald atitudes estranhas no início do ato sexual. Ao se recusar a embarcar no jogo sexual do marido, este acaba sofrendo um ataque cardíaco fulminante e inesperado, morrendo ali mesmo à beira da cama e deixando Jessie acorrentada. Desesperada, só resta a Jessie buscar maneiras de sobreviver e escapar da situação ao mesmo tempo que passa a enfrentar conflitos não-resolvidos do passado.

Dirigido por um hoje consolidado Mike Flanagan, o que realmente salta aos olhos durante a projeção de Jogo Perigoso é o desafio narrativo de trabalhar com basicamente dois atores dentro de um único cenário e recorrer aos arriscados flashbacks para ir lapidando a base conflituosa dos personagens, uma vez que o roteiro do próprio Flanagan ao lado de Jeff Howard pouco perde tempo na apresentação da situação principal, o cativeiro de Jessie. Em um trabalho bem pensado nos posicionamentos das revelações e aprofundamento no complexo de Jessie, Flanagan se revela habilidoso em tornar os flashbacks funcionais, e não meras distrações fora da trama original, o que permite que a obra prenda a atenção para além da situação inicial, o que por sua vez acentua o sentimento de tensão e apreensão da obra, que mesmo nos delírios de Jessie sabe como usar isso a seu favor para testar os limites físicos e psicológicos da personagem aprisionada.

E Carla Gugino, numa composição surpreendente para uma atriz que nunca havia chamado a atenção até então (apesar de que, convenhamos, seu currículo pouco lhe deu oportunidades para comprovar qualquer coisa), segura praticamente sozinha uma narrativa que se apoia completamente no desespero interior e exterior da personagem, que, limitada ao espaço de uma cama, conta “apenas” com sua presença física e força das expressões para nos convencer, algo que Gugino tira de letra aqui. Seu companheiro de cena, Bruce Greenwood (de onde surgiu aquele físico invejável?), se mantém como um ótimo suporte para as evoluções que Jessie sofre ao longo do desenrolar da situação, seu papel onipresente é de grande força.

Sem nunca se deixar levar pelo senso de repetição mesmo dentro de um espaço limitado, a câmera de Flanagan é habilidosamente sutil nos enquadramentos e na captura dos movimentos dos personagens, assim como é eficaz nas transições entre a situação real, os flashbacks e as alucinações (ou não) de Jessie. Jamais escondendo seu apoio no já mencionado Louca Obsessão, o diretor também é inteligente no aproveitamento das luzes e sombras que tomam conta do quarto, sugerindo com inteligência através da escuridão a presença de algo até sobrenatural. Neste último ponto é que Jogo Perigoso comete seu grande e considerável deslize, quando alonga seus momentos finais em diálogos auto-explicativos que derrubam boa parte do trabalho com a sugestão construído anteriormente, o que acaba deixando visível certas gorduras do roteiro provenientes da obra original de King que poderia ter sido deixadas de lado.

Mas isto jamais invalida o resultado extremamente satisfatório de Jogo Perigoso como experiência claustrofóbica, e por mais que o filme não tenha feito tanto barulho, muito devido aos holofotes que It roubou para si, é fácil colocá-lo no topo das mais felizardas adaptações de Stephen King, sinceramente? Talvez a melhor adaptação daquele ano tão frutífero para os materiais do escritor.

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