Crítica | Extermínio

Extermínio (Reino Unido, 2002)

Título Original: 28 Days Later
Direção: Danny Boyle
Roteiro: Alex Garland
Elenco principal: Cillian Murphy, Naomie Harris, Cristopher Eccleston, Alex Palmer, Bindu De Stoppani, Jukka Hiltunen e David Scheider
Duração: 113 minutos

Um caos intimista no apocalipse zumbi.

Por mais que as coincidências possam ser atribuídas ao zeitgeist do começo dos anos 2000, é difícil assistir Extermínio (28 Days Later, 2002) sem traçar paralelos diretos com The Walking Dead. Ambas as narrativas iniciam com o protagonista despertando em um mundo devastado após um coma, seguem por jornadas de sobrevivência ao lado de estranhos e culminam em uma amarga constatação: os zumbis não são, necessariamente, o pior perigo — são os próprios humanos que se revelam mais cruéis em tempos extremos. A influência direta pode ser discutível, mas as semelhanças são inegáveis, e as comparações inevitáveis.

O roteiro de Alex Garland, em sua estreia no cinema, equilibra com precisão o desenvolvimento rápido dos personagens com uma estrutura que passeia por diversos gêneros: terror, suspense, road movie, filme de vingança e até melodrama apocalíptico. A narrativa flui com ritmo seguro, mantendo a tensão em alta e construindo, gradualmente, uma atmosfera de crescente desespero.

Mesmo com algumas conveniências narrativas que ajudam a movimentar a trama — sem comprometer sua lógica interna —, o longa se sustenta na condução visceral de Danny Boyle. O cineasta utiliza a crueza do digital em contraste extremo para construir um mundo sujo, árido e emocionalmente esgotado. Com uma câmera frenética e uma montagem quase caótica, transforma a falta de recursos em estilo, criando cenas de ação intensas e um retrato perturbador do colapso civilizacional.

O uso dos espaços vazios — igrejas abandonadas, ruas desertas, complexos militares em ruínas — carrega uma simbologia poderosa: não se trata apenas de um apocalipse físico, mas institucional e espiritual. Tudo que sustentava a sociedade moderna se foi, e resta apenas a luta pela preservação da própria humanidade.

É nesse terreno estéril que os personagens ganham densidade. Cillian Murphy entrega uma performance surpreendente, transicionando de vítima fragilizada a agente de violência com credibilidade crescente. Naomie Harris incorpora uma força determinada e pragmática, enquanto Brendan Gleeson oferece respiros emocionais com seu otimismo singelo. Já Christopher Eccleston representa com inquietante serenidade o abismo ético que ronda a sobrevivência em grupo.

Boyle e Garland se completam em suas limitações. Onde o roteiro opta por lacunas e gestos simbólicos, a direção preenche com sensações visuais e sonoras: seja na calmaria melancólica de uma travessia urbana, seja no caos sonoro das cenas com infectados — que soam como uma colisão entre um filme europeu existencial e o delírio adolescente de um fã de Resident Evil.

A trilha sonora carrega um peso quase litúrgico, especialmente nas sequências de maior carga emocional, potencializando o contraste entre a brutalidade dos eventos e o desejo dos personagens por afeto e sobrevivência. É nesse paradoxo que o filme encontra seu verdadeiro impacto: em meio ao colapso, ele encontra espaço para a empatia, para o luto e para a reconstrução de vínculos.

Extermínio é, acima de tudo, um filme sobre pessoas. E talvez por isso funcione tão bem: não importa o quão desesperador seja o mundo ao redor, são os rostos humanos — iluminados, sujos, feridos — que ocupam o centro da cena. É nesse foco que Boyle transforma uma história de zumbis em um drama com peso real, emocional e visualmente marcante.

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