Hamilton (EUA, 2025)
Título Original: Hamilton
Direção: Thomas Kail
Roteiro: Lin-Manuel Miranda
Elenco principal: Lin-Manuel Miranda, Leslie Odom Jr., Daveed Diggs, Renée Elise Goldsberry, Jonathan Groff, Phillipa Soo, Jasmine Cephas Jones e Okieriete Onaodowan
Duração: 2h40min (160 minutos)
Distribuição: Walt Disney Studios
Ter a oportunidade de rever Hamilton numa tela de cinema mesmo após já ter sido lançado há anos no Disney+, e sabendo que essa mesma oportunidade irá chegar para tanta gente logo mais, imediatamente reacende uma pergunta que impregna desde sempre a existência deste… filme? Teatro filmado? Afinal, Hamilton é cinema ou não?

Bom, passados todos estes, questionamentos, opiniões de lá e cá e algumas indicações que Hamilton abocanhou, a resposta talvez tenha deixado de importar. Talvez sequer tenha existido. Lin-Manuel Miranda, o comandante deste musical que adapta a vida de Alexander Hamilton, o primeiro Secretário do Tesouro dos EUA, certamente não dá a mínima importância para a caixa onde esse espetáculo cabe, mas o que suas quase três horas irão despertar no público, seja aquele que está no teatro, seja aquele que está no cinema, ou até aquele que está no sofá de casa.
De qualquer forma, este projeto audiovisual dirigido por Thomas Kail surge muito mais como uma exaltação (com um toque de ufanismo óbvio) da insanidade de Miranda em conceber um musical inteiro sem diálogos falados, somente cantados – guardadas as proporções, algo semelhante ao que Tom Hooper tentou e falhou no insuportável Os Miseráveis. Uma tarefa e tanto, óbvio, e nas cadeiras do teatro toda essa ambição é facilmente assimilada pelo público que se dispõe a permanecer imóvel em frente a um palco, mas e quando o registro de tantas câmeras entra em cena?
Sendo cinema ou não, a direção Kail usa e abusa da linguagem cinematográfica ao seu favor. É latente a obsessão da câmera em capturar os detalhes mais ricos da encenação deste espetáculo, das coreografias intensas à declamação do elenco com aquelas músicas, buscando ainda mais dramaticidade dentro de todo um trabalho de montagem para fluir os 160 minutos de uma narrativa. Ora, teatro não é tão narrativo quanto o cinema? Bom, deixo com vocês.
Hamilton é dotado de uma ousadia que tanto o teatro quanto o cinema pouco viram até então: escala atores negros (te amo, Leslie Odom Jr.) e latinos para encarnar personas originalmente brancas, reforçando com muita coragem o alicerce econômico dos EUA não seria nada sem os imigrantes. E aos ouvidos, as canções pulam para fora da caixinha típica dos musicais ao embalar tudo numa identidade pop que busca no rap, sub-gênero da cultura hip-hop que nasceu nos bairros afro-americanos, um potencializador desse espetáculo enquanto produto político, também. Sabendo que estamos diante da história de um dos “pais fundadores” dos EUA, toda essa concepção de Hamilton, sendo cinema ou não, se torna muito forte.
Musicalmente, o filme – que a partir de agora será chamado assim – é tão intenso quanto sua ambição política, cinematográfica e teatral lhe permite ser. A câmera do diretor talvez seja a que melhor entenda onde as canções de Miranda querem chegar e dizer, construindo uma encenação cuidadosa que sabe para onde olhar, como olhar e por quanto tempo olhar. É realmente o trabalho de alguém com olhos e ouvidos atentos. A entrega do elenco também não fica atrás, e nesse caso, é impossível não destacar a participação muito breve, mas impiedosamente sarcástica de Jonathan Groff, que domina a perfídia do Rei George III com uma crueldade divertidíssima e muito marcante.
Sendo cinema ou não, existe todo um trabalho dinâmico nesse registro de Hamilton nos palcos que me deixa muito satisfeito de ver essa obra ganhar as telas de cinema, uma vez que toda sua potencialidade se transmite com muita energia seja nos palcos, seja numa tela grande.