Missão: Impossível (EUA, 1996)
Título Original: Mission: Impossible
Direção: Brian de Palma
Roteiro: Bruce Geller, David Koepp e Steven Zaillian
Elenco principal: Tom Cruise, Jon Voight, Emmanuelle Béart, Henry Czerny, Jean Reno, Ving Rhames, Kristin Scott Thomas e Vanessa Redgrave
Duração: 110 minutos
O espetáculo controlado de Brian De Palma
O cinema, em sua essência mais grandiosa, encontra em Missão: Impossível um exemplo vívido de até onde sua linguagem pode ser levada como espetáculo. Brian De Palma assume esse blockbuster com um domínio absoluto de estilo, forma e narrativa, e entrega não apenas um filme de ação, mas um exercício de encenação cinematográfica que explora, até seus limites, as possibilidades da mise-en-scène e da montagem como forças propulsoras de tensão, dinamismo e envolvimento emocional.

Desde a sequência de abertura, De Palma articula cada momento com precisão hipnótica. O destino da equipe, a tensa conversa no restaurante, a icônica cena do teto branco, a revelação que muda o curso da trama, até o clímax no trem em altíssima velocidade: cada set piece é meticulosamente coreografada. Mas o que torna tudo isso tão singular é o olhar do cineasta, que nunca se entrega à obviedade ou à pompa vazia. Seu formalismo está a serviço da narrativa, da sensação, da urgência – nunca do ego.
O que poderia ser um desfile de efeitos e pirotecnia visual se transforma, sob a batuta de De Palma, num filme onde a técnica se integra organicamente ao tom e à dramaturgia. Sua câmera se movimenta com intenção e inteligência, desenhando atmosferas, sugerindo subjetividades, criando tensão a partir de enquadramentos, movimentos e pontos de vista. Não há excessos gratuitos: tudo é construído com um senso de propósito que amplifica a experiência sensorial do espectador.
Mais do que apenas funcional, o trabalho de câmera se torna uma extensão dos personagens. Ethan Hunt, interpretado por um Tom Cruise em estado de graça – no auge do seu carisma e entrega física – é um corpo em constante movimento, um protagonista que corre contra o tempo e contra as tramas que o cercam, e De Palma filma essa urgência com vitalidade e paixão. A relação entre forma e conteúdo nunca é forçada: ela se desdobra naturalmente da mise-en-scène.
Ao contrário de tantos filmes de ação que tentam provar sua grandiosidade por meio de artifícios chamativos ou discursos de autoimportância estética, Missão: Impossível encontra sua força justamente na transparência com que a linguagem se dobra à missão de entreter com inteligência. De Palma não precisa gritar sua genialidade – ela se impõe com a fluidez de quem domina a gramática audiovisual com familiaridade e desejo genuíno de explorar seu potencial máximo.
Mesmo dentro dos moldes de uma superprodução de verão, o diretor imprime sua assinatura autoral com clareza. O jogo de espelhamentos, disfarces, imagens duplicadas e olhares capturados dialoga diretamente com sua obsessão por vigilância, duplicidade e percepção – temas que voltaria a explorar em Olhos de Serpente, espécie de filme irmão deste. Em ambos, a câmera se torna personagem, observadora e cúmplice, e o cinema, um jogo de manipulação da realidade.
O design visual também colabora fortemente com essa atmosfera. A Praga recriada pelo diretor de fotografia Stephen H. Burum ganha contornos pictóricos, quase de fábula sombria, contrastando com a intensidade das ações. Tudo aqui é pensado como uma sinfonia visual de suspense e adrenalina, mas sem abrir mão de humor, charme e ritmo narrativo impecável.
É por isso que, por mais que a franquia tenha evoluído em termos de escala e ousadia com diretores como John Woo, Brad Bird e Christopher McQuarrie, nada iguala a potência singular do primeiro filme. Ele permanece insuperável não só por ser o ponto de partida, mas por ser uma obra em que um dos maiores estilistas do cinema americano usou o aparato de um blockbuster para levar o cinema ao seu limite como arte de encenação, controle e impacto.
Brian De Palma não apenas entregou um thriller de espionagem memorável. Ele reafirmou que a busca pelo espetáculo também pode ser profunda, complexa e gloriosa quando movida por amor verdadeiro à linguagem cinematográfica.