Crítica | Mostra de SP | Através do Fluxo

Através do Fluxo (Coreia do Sul, 2024)

Título Original: 수유천

Direção: Hong Sang-soo

Roteiro:Hong Sang-soo

Elenco principal: Kwon Hae-hyo, Kim Min-hee e Cho Young

Duração: 111 minutos

nLevada pela correnteza das experiências, a crônica de outono de Hong Sang-soo ressalta o valor do processo artístico, principalmente para os artistas.

Quarenta anos mais tarde, o diretor teatral Chu Si-eon (Kwon Hae-hyo) retorna à faculdade onde dirigiu sua primeira peça para ajudar um grupo de alunas de sua sobrinha, Jeon-Im (Kim Min-hee), professora na mesma instituição, a preparar uma esquete para um festival temático da universidade. Entre ensaios e a produção do roteiro, eles aprendem mais sobre si mesmos, enquanto tentam contornar alguns escândalos pelo caminho.

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Uma breve biografia sobre a trajetória de Hong Sang-soo no Letterboxd destaca alguns traços recorrentes de sua extensa filmografia, que conta com pouco mais de trinta obras. Seu estilo como realizador tem contornos bem definidos: ambientação em espaços metropolitanos ordinários, protagonistas geralmente profissionais do meio artístico e cenas que abrem e fecham com zooms discretos, imprimindo sua marca autoral. Pelo pouco que conheço dos filmes de Hong — assisti apenas Conto de Cinema e Certo Agora, Errado Antes, que, inclusive, são reconfortantes opções para dias chuvosos — posso afirmar que o diretor possui um padrão estético e narrativo, mas não se torna redundante. Sempre flerta com a improvisação e a liberdade criativa, transformando seu processo artístico em uma fonte de espontaneidade nos sets de gravação. Dessa forma, Através do Fluxo transmite essa fluidez do processo criativo de Hong da realidade para a ficção em um riacho que mescla o tom cômico com o melancólico de maneira singela.

Além de dirigir o longa, Hong Sang-soo assina o roteiro do projeto e cria um caráter poético com uma trama descentralizada e reflexiva para os diversos personagens. Não há um protagonista propriamente dito; o tempo de tela é dosado proporcionalmente entre todo o elenco, com micro-enredos que se desenvolvem dentro da narrativa geral sobre a realização da peça. Mesmo esta ganha mais enfoque no briefing de produção do que na apresentação do festival em si. Acompanhamos o desenrolar do romance entre Chu e a professora Jeong, amiga de Jeon-Im, a jornada de autodescoberta das alunas que atuaram no espetáculo e a crise de outras alunas que abandonaram a esquete após a desilusão com o antigo diretor, expulso devido ao envolvimento amoroso com algumas delas.

Aliás, assim como a fragmentação narrativa é um dos pontos altos de Através do Fluxo, dado que permite essa fluência entre os micro-enredos que conduzem o espectador a uma visão mais ampla do processo criativo, é também um dos seus pontos baixos. Às vezes, informações sobre o passado de Chu Si-eon, sua relação com Jeon-Im e o restante da família, ou os detalhes do escândalo que levaram à substituição do diretor da peça, ficam embaçados ou incompletos. O filme se constroi em torno da ideia de que o processo artístico não se resume ao produto final e pode ser uma experiência plena e reveladora por si só — e isso faz sentido na perspectiva do diretor. Ainda assim, seria interessante que esses aspectos da história fossem mais aprofundados, permitindo que o espectador tivesse uma compreensão mais completa da trama.

Apesar da fragmentação e da ausência de uma figura principal nos guiando pela correnteza dessas experiências, Hong Sang-soo constroi com sutileza Jeon-Im com sutileza como a mediadora desses afluentes de histórias que se cruzam. A montagem destaca o cotidiano da professora e sua dinâmica em todas as subtramas, com cada período concluído por diferentes fases da lua. Essa sequência imagética é interessante, pois culmina com Jeon-Im indo até a beira do mesmo rio pela manhã para fazer esboços da movimentação da água. É como se, a partir de uma fonte externa — nesse caso, a realidade — ela encontrasse a leveza para lidar com suas inquietações internas, expressando isso tanto em seus desenhos quanto no modo como se relaciona com o mundo.

Por fim, embora o cinema realista e contemplativo de Hong Sang-soo em Através do Fluxo possa não ser memorável — e, talvez, até passageiro — diante de outros trabalhos do realizador, a beleza da obra reside em seu epicentro: a cena em que Chu Si-eon propõe um exercício de poesia improvisada ao elenco, permitindo que cada um expresse suas emoções com a mais pura naturalidade. Essa cena, somada ao arco sutil de Jeon-Im, revelam o cerne do filme, que transforma a leveza do processo criativo em um dos momentos mais líricos do cinema do ano.

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