Crítica | Ne Zha 2: O Renascer da Alma

Ne Zha 2: O Renascer da Alma (China, 2025)

Título Original: Nézhā zhī Mótóng nào hǎi
Direção: Jiaozi
Roteiro: Jiaozi
Elenco principal: Lü Yanting, Han Mo, Lu Qi, Chen Hao, Zhang Jiaming, Wang Deshun, Yang Wei e Zhuo Yongxi
Duração: 2h 24 min (144 minutos)
Distribuidora brasileira: A2 Filmes

Ne Zha 2 chega aos cinemas brasileiros em uma situação engraçada. O primeiro filme nunca ganhou distribuição legal no país e poucos ouviram falar da franquia, mas este novo chega já consagrado com diversos recordes financeiros. Só para citar alguns: é de longe a animação mais cara da história do cinema chinês; é a única animação e filme não falado em inglês a bater a marca de 2 bilhões de dólares de bilheteria,;é o segundo filme a atingir essa marca mais rápido (33 dias); é o filme com a maior bilheteria em um único país (foram mais de 1 bilhão de dólares só na China); e já é a 5ª maior bilheteria da história do cinema (e contando, já que ainda está em cartaz em diversos países e bem próximo de bater a marca de Titanic). Como assim, um filme do qual nunca ouvimos falar, que é a continuação de outro filme de que nunca ouvimos falar, chega do nada fazendo tanto barulho?

Foi com bastante curiosidade que sentei para assistir ao primeiro filme e ainda mais que fui ao segundo. Como já comentei na crítica do primeiro, achei o filme legal e bem feito, mas nada tão empolgante que justificasse o sucesso estrondoso da continuação – o que só me deixou mais intrigado para ir assistir. Para a minha surpresa, posso dizer que o filme vale o alvoroço.

Partindo do ponto exato em que o primeiro filme se encerra, o novo longa dá continuidade à história de Ne Zha e Ao Bing, os “irmãos” espirituais que servem como reencarnação do Orbe Demoníaco e da Pérola Espiritual, as duas metades da Pérola do Caos. Após serem atingidos pelo raio divino que deveria ter matado Ne Zha, seus corpos são destruídos, mas o Mestre Taiyi Zhenren usa toda a energia da Lótus Sagrada de Sete Cores para manter suas almas vivas por um tempo limitado. Portanto, a primeira coisa a fazer é justamente esculpir novos corpos que permitam que os dois voltem a assumir uma forma física antes que suas almas feneçam. É claro que os planos não vão exatamente como o esperado e as almas de ambos acabam indo parar em um corpo só, que precisa passar por uma série de testes para atingir a imortalidade e conseguir dos deuses um elixir capaz de ressuscitar a Lótus Sagrada e, portanto, de recriar o segundo corpo, permitindo assim que ambos sobrevivam. 

A princípio, a premissa parece estranha por ser simples demais para um filme de tal magnitude. Porém a duração do longa vai passando e esta premissa se revela apenas a superfície da questão sobre a qual o filme pretende dar mais enfoque. Aos poucos, novas personagens míticas (e místicas) do taoísmo vão aparecendo, sempre em abordagens um tanto fora do padrão, assim como no primeiro filme. Novos dragões entram em cena, novas deidades e entidades sagradas vão se tornando peças cada vez mais importantes em um grande jogo que vai se armando durante o segundo ato. Um destaque é o imortal Mestre Wuliang, chefe do clã Chan, que conduz os testes que poderão dar a Ne Zha e Ao Bing o que eles procuram. A princípio uma figura sábia e respeitada que aos poucos revela um lado autoritário importante para que Ne Zha entenda a possibilidade – e a necessidade – de questionar essas entidades. 

O filme apresenta diversas sequências grandiosas de ação, incluindo algumas das maiores batalhas que já vi em um filme de animação. O orçamento três vezes maior do que a segunda animação mais cara da China, a enorme quantidade de animadores que trabalharam nos bastidores e o alto número de efeitos especiais se mostram na tela de forma, na falta de uma palavra mais humilde, gloriosa. São cenas lindas, com algumas das imagens mais bonitas dos últimos anos, com alguns destaques como quando um dragão de madeira se revela e toda a sequência com o caldeirão de proporções homéricas do Mestre Wuliang. Os números altíssimos da bilheteria apenas refletem o resultado de todo esse processo (e de todos os adjetivos usados neste parágrafo) e acho seguro afirmar que este filme consagra o diretor e roteirista Jiaozi (nome artístico de Yang Yu) como um dos grandes nomes da nossa geração quando se fala de animação.  

Em comparação ao primeiro filme, para além da grandiosidade já citada, a sensação é que este longa teve mais liberdade, ou talvez mais coragem, para explorar seu potencial. Mesmo que ainda faça uso de um humor um tanto infantilizado, ele é claramente voltado a um público mais velho. Algumas das cenas de batalha são bem violentas, o drama é bastante intensificado e é perceptível que não há amarras segurando o roteiro ou a direção. Os temas filosóficos e espirituais, que já eram um destaque no primeiro, aqui são ainda mais presentes e não há medo em transformar personagens de forma definitiva, impedindo seus retornos (pelo menos na forma como os conhecemos) no já confirmado terceiro filme. 

Importante citar também que este filme não ignora personagens do primeiro que poderiam facilmente ter sido deixados de lado. Alguns dos momentos mais engraçados envolvem um demônio que Ne Zha caça e apreende no primeiro filme e um dos mais tristes mostra uma família de quem Ne Zha se torna amigo no primeiro sofrendo as terríveis consequências do jogo de poder que recai sobre o vilarejo de Chentang.

Ne Zha 2 é, com certeza, uma das grandes surpresas do ano, que vem para firmar o que alguns cinéfilos já vinham notando há alguns anos: o cinema chinês vem vindo cada vez mais forte e, mesmo com um movimento ativo por parte do ocidente para evitar que isso aconteça, deve se estabelecer em breve como concorrência direta de Hollywood. Poucos países decidiram importar Ne Zha em 2019, mesmo que tenha sido a 12ª maior bilheteria do ano, vencendo alguns grandes sucessos norte-americanos e europeus, assim como também ignoraram Terra à Deriva, outro estrondoso sucesso chinês que fechou o ano com a 13ª maior bilheteria (para efeito de comparação, Como Treinar Seu Dragão 3 foi a 14ª e Parasita a 31ª). Ne Zha 2 chega afirmando que a partir de agora será impossível ignorar a produção audiovisual do país.

E faz por merecer todo o destaque. É um filme-evento, feito para ser visto na maior tela e com o som mais potente possível. Um filme que pisa no acelerador e se distancia do anterior sem medo de explorar novos lugares. Um filme que entrega sequências emocionantes e levanta bons debates políticos e filosóficos. Um filme que merecidamente coloca a franquia na história do cinema. Gostemos ou não. 

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