O Estrangeiro (França, 2025)
Título Original: L’étranger
Direção: François Ozon
Roteiro: Albert Camus, François Ozon, Philippe Piazzo
Elenco: Benjamin Voisin, Rebecca Marder, Pierre Lottin, Denis Lavant, Swann Arlaud
Duração: 122 minutos
Um dos personagens mais intrigantes da literatura mundial volta às telas em adaptação de François Ozon (Sob a Areia, Piscina). Meursault é a figura central de O Estrangeiro, o clássico de Albert Camus que, há mais de 80 anos, provoca diferentes interpretações.
Vivendo na Argélia de 1930, durante o período colonial francês, Meursault (Benjamin Voisin) parece apático a tudo e a todos. Ele comparece ao velório da mãe de forma protocolar e reage com indiferença às situações mais revoltantes. “Não sei” é sua frase mais repetida – inclusive quando Marie (Rebecca Marder), sua namorada, pergunta se ele a ama.

A estética em preto e branco cria belas cenas com atmosfera melancólica e sensual – marca registrada dos filmes de Ozon –, transmitindo a visão descolorida que Meursault tem da própria vida: sem grandes emoções, aleatória e pragmática.
O conflito irrompe quando Meursault defende Raymond (Pierre Lottin), o vizinho cafetão, em uma briga com árabes e atira em um deles “por causa do sol”. A sequência de cenas parece um tanto truncada e caricata, especialmente pelo exagero do reflexo solar.
A sensação é de que o diretor cumpria tabela ao tentar representar fielmente cada parte do livro. Embora exerça liberdade artística com uma inversão cronológica inicial – mostrando Meursault já na cadeia para gerar suspense –, é difícil escapar da linearidade sem descaracterizar a obra original.

Só após a fatídica cena da praia, no julgamento do crime, o filme recupera o ritmo e aprofunda o existencialismo – ou, mais especificamente, o absurdismo de Camus – com maior intensidade. Ali, Ozon adentra seu território, explorando as questões do livro de forma autêntica e instigante.
A todo momento, esperamos que Meursault se defenda com justificativa plausível para seus atos. Mas ele ignora isso (e todo o resto, exceto fumar, beber vinho ou café, claro) e se deixa ser julgado pela personalidade apática.
Na cena final, no diálogo com o capelão da prisão (Swann Arlaud), compreendemos sua atitude de ser “estranho aos olhos da sociedade” como escolha deliberada: Meursault rejeita narrativas impostas e aceita o absurdo da vida. Talvez seja o mais estoico dos personagens?
Mesmo tendo lido O Estrangeiro antes de assistir ao filme, saí da sessão impactado como na primeira vez: refletindo sobre o absurdo da existência. E poucas obras são capazes de provocar esse efeito.



