Crítica | Oeste Outra Vez

Oeste Outra Vez (Brasil, 2024)

Título Original: Oeste Outra Vez
Direção: Erico Rassi
Roteiro: Erico Rassi
Elenco principal: Adanilo, Ângelo Antônio, Tuanny Araújo, Antonio Pitanga, Daniel Porpino, Rodger Rogério e Babu Santana
Duração: 98 minutos
Distribuição brasileira: O2 Play

É difícil para mulheres ter uma visão aprofundada dos círculos mais internos do machismo estrutural, e são poucos os filmes que se propõem a circundar este universo. Felizmente, Oeste Outra Vez o faz, gerando uma visão sobre a masculinidade e suas fragilidades por um viés pouco usual.

Com créditos que mostram a filmagem na Chapada dos Veadeiros, interior de Goiás, também adentramos um Brasil mais profundo e rural do que o que geralmente está representado em tela. Começamos o filme com o som de moscas e a imagem de estradas de terra, e é neste cenário terroso que seguiremos ao longo de toda a obra, com exceção de pequenas imagens que evocam o verde da região. As locações são pequenas casas humildes, o boteco de um dos personagens, os carros antigos, e o realismo demonstrado nos leva a este ambiente no qual raramente ousaríamos adentrar. 

Também já nessa primeira cena, percebemos os tipos de conflitos entre os personagens e como eles querem resolvê-los. Conhecemos Toto (Ângelo Antônio) e Durval (Babu Santana), homens enlaçados pelo destino pelo amor comum a uma mulher, que deixa Toto para ficar com Durval. Mas só sabemos disso depois, pois na primeira cena vemos apenas eles se encontrando na estrada e saindo de seus carros para brigar fisicamente no meio da rua. Na sequência, vemos suas medidas cada vez mais descabidas, como a contratação de um assassino de aluguel, para lidar com seus sentimentos não processados.

Segue-se um grande jogo de gato e rato que beira o homoerotismo entre esses personagens que se sentem abandonados por figuras femininas, mas não estão dispostos a lidar com as razões para tais abandonos. O diretor ousa ao escolher um elenco quase que inteiramente masculino, deixando claro que, para adentrar nessa intimidade, é necessário ser deste gênero. E, mencionando questões de gênero, ele também brinca com o gênero escolhido para o filme, o faroeste. Ao invés de colocar homens cheios de testosterona com uma moral clara e o desejo de criar ordem moral com as suas próprias mãos, o que temos são esses homens fragilizados, buscando terceirizar soluções para seus problemas individuais e sem grande apreço pelo coletivo. Assim, temos um faroeste à brasileira, que consegue usar uma trama típica do gênero estadunidense para criticar a solução de problemas encontrada pelos seus personagens.

A luz é um elemento muito importante na narrativa, ajudando a dar a noção de que se fala em excessos e faltas, e raramente em um equilíbrio. O sol do interior de Goiás aparece sempre de maneira extrema, sendo diretamente na pele dos personagens ou através de uma janela, criando um contorno no que está à sua frente e criando uma dualidade na imagem. O mesmo ocorre com a escuridão, que normalmente aparece de maneira absoluta, sugerindo os elementos que os personagens estão tentando esconder.

Existe uma cena que se encontra aproximadamente na metade da obra que é uma síntese perfeita do trabalho de Rassi: dois personagens conversam em um quarto de hotel após realizar um assassinato. Desde o posicionamento de um deles na cama, de costas para o outro para evitar a vulnerabilidade em frente a outro homem, até o modo como eles tentam iniciar uma conversa que nunca consegue avançar, mostram exatamente esse universo masculino solitário.

O que se forma é uma obra bastante complexa sobre o comportamento masculino, que através deste exemplo muito específico de uma localidade remota, consegue generalizar o ocorrido para situações mais próximas às de seus espectadores, sejam eles quem forem. É impossível sair do cinema sem um questionamento sobre as possibilidades que estes homens teriam de resolver seus problemas se eles estivessem sujeitos à uma pequena exposição aos seus próprios sentimentos – uma sensação que é facilmente transponível para a vida real. Erico Rassi cria o roteiro, dirige e edita uma obra extremamente original, e que felizmente já foi reconhecida com sua premiação no Festival de Gramado de 2024.

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