Crítica | Oh, Canadá

Paul Schrader volta a utilizar o cinema como confessionário com redenção para Richard Gere e Jacob Elordi 

“A história que eu conto repetidamente é a do homem sozinho em um quarto pequeno, escrevendo, isolado, lutando contra os próprios pensamentos”, disse Paul Schrader no documentário Paul Schrader: Man in a Room (2020). Oh, Canadá não destoa de sua filmografia; também é um filme sobre um homem em um quarto pequeno. Talvez por isso tenha sido ovacionado com quatro minutos de aplausos em sua estreia mundial no Festival de Cannes 2024 e, igualmente, tenha gerado uma recepção mista da crítica.

Na trama, Richard Gere interpreta Leonard Fife, um renomado documentarista que, nos anos 1960, fugiu para o Canadá para evitar o recrutamento para a Guerra do Vietnã. Agora, aos 80 anos e enfrentando um câncer terminal, ele decide conceder uma entrevista final a dois ex-alunos, revelando segredos e mentiras que moldaram sua vida e carreira, na esperança de encontrar redenção antes do fim.

Embora a premissa pareça diferente, a essência da história permanece a mesma. Mais uma vez, acompanhamos o homem isolado no quarto, como em Taxi Driver (1976), no qual Robert De Niro está confinado na cabine de táxi — filme responsável por consolidar o nome de Schrader no cinema. O mesmo acontece em Gigolô Americano (1980), com Richard Gere trancado em um apartamento vazio, na primeira parceria entre ator e diretor. A estrutura se repete em Fé Corrompida (2017), com Ethan Hawke dentro de uma pequena igreja, e em O Contador de Cartas (2021), com Oscar Isaac circulando entre os quartos dos cassinos, só para citar alguns exemplos.

Nesta nova obra, o arquétipo do homem em luta consigo mesmo volta a ser representado por um Richard Gere galanteador e, em sua versão jovem, por Jacob Elordi, que entrega uma performance marcada por virilidade e inquietação. O “quarto pequeno” aqui assume a forma de um confessionário, montado na casa decorada para o natal do protagonista, onde uma câmera fixa registra frontalmente o perfil de Leonard em um enquadramento claustrofóbico que foca intensamente seu rosto.

Oh, Canadá é Paul Schrader em sua essência, embora não esteja em sua melhor forma. Existe um envolvimento emocional que captura o espectador. A atmosfera melancólica da fotografia de Andrew Wonder e o tom febril das atuações de Gere e Elordi nas memórias revisitadas conferem impacto ao filme. No entanto, as múltiplas linhas temporais, estruturadas por meio de uma montagem desconstruída e pela alternância entre fotografia colorida e em preto e branco, acabam gerando certa confusão e dificultam nossa conexão com o sentimento de culpa que consome o documentarista.

Também é lamentável que parte do elenco estelar seja subaproveitada. Michael Imperioli e Uma Thurman, por exemplo, têm participações tão tímidas e superficiais que mal encontram espaço, seja no presente, seja nas memórias do protagonista.

A impressão digital de Schrader, tanto como roteirista quanto como diretor, está claramente presente, assim como sua paixão pela sétima arte e suas constantes referências aos clássicos. Esse rigor, muito provavelmente, foi o que encantou o público na Riviera Francesa. A técnica fictícia criada por Leonard — em que duas câmeras são posicionadas de frente para entrevistador e entrevistado, como um dispositivo que os aproxima — funciona como um divã intimista e confere uma nova dimensão ao estudo de personagem que Schrader tão bem domina.

E a referência a Cidadão Kane na cena final? Schrader constrói seu próprio “Rosebud” que, ao contrário do clássico de Orson Welles — onde surge como uma declaração enigmática no início —, aqui aparece nas palavras finais do perfilado, que dão título ao filme. Trata-se de um desfecho memorável.

Apesar disso, persiste uma sensação de “mais do mesmo”, só que com menos refinamento cinematográfico do que aquele que já experimentamos nas obras anteriores do roteirista. Fica a impressão de que falta algo. É como um chef que conhece cada detalhe da receita, mas, desta vez, não entrega um prato tão saboroso quanto os anteriores. No Brasil, especialmente após um hiato tão longo desde a première internacional, o longa deve passar quase despercebido, agradando mais àqueles que já acompanham a trajetória de Schrader e que, mais uma vez, estão dispostos a observar outro homem em um mesmo quarto pequeno.

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