Crítica | Pecadores

Pecadores (EUA, 2025)

Título Original: Sinners
Direção: Ryan Coogler
Roteiro: Ryan Coogler
Elenco principal: Miles Caton, Saul Williams, Andrene Ward-Hammond, Jack O’Connel, Tenaj L. Jackson, Michael B. Jordan, Yao, Jayme Lawson, Buddy Guy e Hailee Steinfeld
Duração: 137 minutos
Distribuição brasileira: Warner Bros

Já nas primeiras cenas de Pecadores, é perceptível que este não é apenas mais um filme usual vindo de Hollywood. Quando vemos Sammie (Miles Caton) entrando na igreja liderada por seu pai, inteiro machucado e com meio violão nas mãos, a obra consegue trazer o clima intrigante para que queiramos conhecer o resto do desenvolver da narrativa. E, quando são adicionados os pequenos flashes do mal que ele teve que enfrentar para chegar até ali, além do clima mais sombrio, também fica claro que o diretor tem muito controle do que está fazendo, mostrando o suficiente para assustar, mas não o necessário para que se compreenda qual é o mal que está envolvido no drama.

Seguimos então para o flashback do dia anterior, com a volta de Smoke e Stack (Michael B. Jordan) para o Sul dos EUA após passar um tempo em Chicago. Aqui, para quem talvez não lembre muito das aulas de história, é importante lembrar que o Sul do país sempre teve uma postura mais assumidamente racista, e nos anos 1930 já estavam em vigor as leis que permitiam a segregação racial. Para essa história em particular, também é importante lembrar que o país estava no final de sua lei seca, quando a produção e consumo de bebidas alcoólicas era proibido. Ou seja, considerando que estamos tratando de personagens majoritariamente negros, por mais que fique bem claro pelo próprio filme, eles no geral estavam em trabalhos mal remunerados sendo explorados por pessoas brancas.

Neste contexto, entendemos que os irmãos estão comprando um local para transformá-lo em um bar com música ao vivo, com o filme se desenvolvendo ao longo deste dia, entre buscar um carregamento de bebidas e encontrar músicos de blues para tocar ali naquela noite de inauguração. Conhecemos mais de cada um dos personagens que são apresentados, que são os mais diversos o possível. O diretor/roteirista consegue fazer um bom proveito dessa história de base para discutir diversos assuntos que ainda são relevantes e ecoam na sociedade, desde o racismo e intolerância religiosa até questões mais sutis, como a identidade confusa de Mary (Hailee Steinfeld), personagem que tinha o pai negro e mãe branca, e que recebe leituras confusas de todas as raças.

Talvez um dos elementos mais bonitos que se sobressaiam do filme é a sua grande abrangência, apesar de estar lidando com um recorte bastante específico. Ele utiliza o seu tempo e elenco estelar para quebrar a imagem vendida pelos próprios EUA sobre seu passado, mostrando situações menos estereotipadas e que parecem mais historicamente corretas. Assim, por mais que o filme tenha toda a estrutura e orçamento de um bom blockbuster, é perceptível que ele mantém um caráter interessante de subversão de valores.

Isso se repete diversas vezes ao longo do filme, de uma simples cena de um personagem indo urinar que não tem medo de mostrar um pênis até o que parece ser o seu ápice criativo, que é a cena na qual Sammie finalmente toca sua música e todos os personagens entram em um estado de transe que apenas a música é capaz de causar. Essa cena por si só já é o suficiente para que todo o filme valha a pena, por conta de sua riqueza de detalhes colocada em cena através de elementos de diversas culturas e sua consequência como representatividade em um filme destinado ao grande público.

Aqui, o filme finalmente segue seu pressuposto de dizer que a boa música consegue ultrapassar as barreiras entre vivos e mortos, e parte-se para as cenas mais voltadas à ação desta suposta luta de bem contra o mal. A partir deste momento, é compreensível que a obra utilize a estrutura firmada até então para criar um filme que consegue alcançar um público muito maior do que apenas um drama sobre música poderia ser capaz. Ainda assim, por mais que existam cenas bem dirigidas e atuadas, não há nada que alcance a potência desta cena anterior.

Diversas escolhas parecem ser tomadas pensando principalmente em um grande público, como o uso recorrente de flashbacks para relembrar algo que já foi dito na própria obra ou o zoom dramático em um objeto de cena para lembrar sua importância. Ainda assim, o filme consegue manter essa essência mais radical, desafiando os espectadores a pensar um pouco mais sobre o que está proposto em tela.

Longe de ser um blockbuster típico e massificado, mas ainda mantendo essa essência de filme voltado para o consumo em massa, Ryan Coogler mostra novamente que consegue alinhar forma e conteúdo. Ao mesmo tempo que entrega algo que possivelmente dará uma nova luz aos superfilmes, ele vai definindo sua carreira como diretor com traços cada vez mais autorais.

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