Canina (EUA, 2024)
Título Original: Nightbitch
Direção: Marielle Heller
Roteiro: Marielle Heller baseada no livro de Rachel Yoder
Elenco principal: Amy Adams, Scoot McNairy, Arleigh Snowden, Emmet Snowden, Jessica Harper, Zoë Chao, Mary Holland e Archana Rajan
Duração: 98 minutos
Antes de iniciar essa crítica, acho importante deixar a informação de que eu não sou uma mulher que é mãe ou deseja ser mãe. A maternidade me é um campo inexplorado, adentrado apenas por conversas com outras mulheres. Quando o filme chegar ao Brasil e tivermos textos de pessoas que sejam mães, adorarei indicá-los aqui e no Instagram.

Sendo derivado de um livro homônimo de Rachel Yoder que é celebrado como uma obra feminista e transgressora sobre a maternidade, Canina sofreu um golpe de divulgação antes mesmo de seu lançamento, com um trailer que está completamente fora do tom de seu conteúdo.
No filme, Mãe (Amy Adams) é, literalmente, uma mulher que tem um filho pequeno e que deixou de trabalhar para passar o tempo com ele nos primeiros anos de sua vida. Só que ela sofre algumas crises de identidade, tanto em relação à dificuldade em se conectar ao seu passado como escultora quanto em lidar com outros grupos de mães. Mesmo seu marido não consegue compreender a extensão do que é dedicar o seu tempo a uma criança. E então, ela sente que aos poucos está se tornando uma cachorra.
Por mais que a ideia pareça radical quando colocada em uma simples sinopse, a ideia é bem construída no filme, que coloca as pequenas mudanças sentidas por Adams em tela, mais do que simplesmente faladas em diálogo. Entendemos essa construção porque ela acontece em etapas e de maneira que faz sentido dentro da obra. Vemos as mudanças de corpo e comportamento acontecendo, então não se torna algo sem sentido como vemos no trailer. Essas mudanças são inclusive tão sutis que por vezes há um desejo que a obra abrace mais a sua característica de horror corporal e se torne mais perturbadora, mas ele permanece na sobriedade dramática de apenas incluir os elementos fantásticos.
Amy Adams entrega uma das atuações mais interessantes de sua carreira. Com pouca ou nenhuma maquiagem, roupas confortáveis e um bom texto, ela consegue fazer com que qualquer pessoa sinta empatia pela trajetória dessa mulher, mesmo ela sendo uma mulher branca, suburbana e cujos problemas poderiam ser vistos como muito burgueses. Com cenas imaginárias que acontecem apenas na sua cabeça até os dramas reais de entender a sua personalidade e as mudanças pelas quais está passando, ela impressiona pela boa performance.
Mesmo conseguindo entreter o espectador por sua duração, a sensação de que poderia sempre ser dado um passo a mais segue presente pelo filme. Quase como uma versão suavizada de algo que poderia ser mais radical e mais intenso, causando um choque maior e se tornando mais memorável. Esta é uma escolha clara da direção, que prefere manter certo realismo talvez até para gerar uma obra mais simpática pela massa de consumidores. Mas considerando o roteiro, as escolhas estéticas acabam sendo mais conservadoras, e isso também tem o seu peso na produção.
Trazendo uma versão mais crua da maternidade que estamos acostumados a ver nos cinemas, mas ainda dentro de algo bastante palatável, o filme se fortalece com a atuação grandiosa de Amy Adams e uma pureza no que ele deseja mostrar. Muito longe da tragédia que o trailer apresenta, mas também ainda um tanto longe do filme subversivo que o livro poderia dar origem.