A Morte Do Demônio: A Ascensão (Lee Cronin, 2023)
A série de filmes de A Morte do Demônio está no universo de reboots e continuações de franquias clássicas que retornaram nos anos 2010, junto de Halloween, Pânico e outras mais. E, junto com Pânico, ela pôde entender os seus novos caminhos a partir de novas interpretações, agradando tanto os fãs mais antigos quanto aqueles que conheceram a franquia a partir desses últimos lançamentos. A franquia também conta com uma especificidade que a tornou rapidamente popular entre os mais jovens que é a sua grande presença online, através de um jogo próprio e o licenciamento no jogo de sucesso Dead By Daylight, sendo Ash Williams um dos poucos personagens com falas neste último. Ou seja, o esforço realizado em não depender apenas da nostalgia para atrair público se mostrou uma aposta vencedora.

Assim como Pânico, a nova obra decide por uma nova localização para trazer um um elemento novo ao roteiro. E se os clássicos se passavam em cabanas distantes no campo, desta vez a carnificina se inicia dentro da cidade, quando Beth (Lilly Sullivan) retorna para visitar a sua irmã Ellie (Alyssa Sutherland) em Los Angeles, após passar um longo tempo na estrada com uma banda. Mas um terremoto interrompe essa visita e revela o subsolo do prédio de Ellie, no qual o famoso livro de invocação demoníaca se encontrava escondido.
Sim, o roteiro é tão simples e previsível quanto parece, com a trama sendo facilmente compreensível desde suas primeiras cenas. Ao mesmo tempo, é através dessa simplicidade que é possível brincar com as particularidades da obra, do seu humor estranho até o uso completamente excessivo de sangue falso – de 6,5 mil litros. Neste sentido, Lee Cronin se destaca como diretor e roteirista pela peculiaridade de cenas específicas e suas referências mais do que pela originalidade geral de sua nova obra. Ele também mostra um bom humor raro nas cenas de violência contra crianças, principalmente considerando que a mãe que está perseguindo os próprios filhos. É realizado um bom trabalho entre direção e as atuações do elenco jovem, principalmente com Danny (Morgan Davies) e Kassie (Nell Fisher).
Ao evitar as relações diretas de continuidade com outras obras da franquia, cria-se também um universo de possibilidades para novas adaptações, desde que sejam feitas com o mesmo espírito de filmes B que garante mortes por motosserras ou outros tipos de máquinas assustadoras. Poderia ter sido prestada maior atenção a esta localização única e sem precedentes na franquia para criar um ambiente mais claustrofóbico no qual se dificulta a fuga do demônio, mas ao escolher utilizar o espaço completo do prédio, ganha-se com os novos personagens apresentados.
Apesar da falta de surpresas, de ser possível compreender quando se levará cada susto através de usos clássicos de trilha sonora, é em cenas como a referência ao elevador de O Iluminado compreende-se que este filme está sendo feito por alguém que aprecia o gênero do horror e consegue se comunicar através de sua linguagem. Talvez pela inexperiência do diretor e roteirista o filme não consiga preencher todas as expectativas criadas pelos filmes anteriores da franquia, que conseguem mesclar humor e horror de maneira mais fluida e com elementos mais inovadores. É também gratificante que Sam Raimi e Bruce Campbell permaneçam ligados ao projeto, mesmo que como produtores executivos, pois entende-se o compromisso das novas adaptações com o seu legado.
A distribuição do filme no Brasil está sendo realizada pela Warner Bros. Pictures. Verifique a programação na sua cidade.
Para’Í (Vinicius Toro, 2018)
As lutas indígenas têm se tornado cada vez mais urgentes na realidade brasileira, e a quantidade de obras de alta qualidade a elas associadas deixa claro que este é um assunto que não será facilmente esquecido. Com muitas delas, como o documentário O Território, alcançando sucesso internacional, é impressionante a dificuldade de distribuição que elas enfrentam no nosso próprio país. A situação não foi diferente com o longa-metragem ficcional de Vinicius Toro, produzido em 2018 e que estreia em 2023 nos cinemas.

O filme é bem sucedido ao utilizar uma história específica de amadurecimento da garota Pará (Monique Ramos Ara Poty Mattos), que vive nas margens de São Paulo e tem uma crise de identidade ao descobrir um milho guarani, refletindo sobre seu povo e o quanto de sua história ela mesma conhece. Enquanto ela se questiona sobre a mistura de religiões de seu pai cristão e sobre ela nunca ter aprendido como falar com seu avô, as mesmas questões são incitadas no público, que normalmente também conhece pouco sobre as origens do país.
Vinicius trabalha muito bem na direção de seus atores e atrizes, principalmente considerando a protagonista infantil com muito tempo de tela e que consegue prender a atenção dos espectadores com a boa atuação. Soma-se a isso uma boa integração entre equipes de fotografia e direção de arte que conseguem opor o realismo da vida da personagem (sua escola, sua casa) ao lirismo das descobertas que começa a fazer. Percebe-se o cuidado com toda a obra e seus detalhes, não permitindo que nenhum detalhe falte ao espectador.
Apesar de não possuir uma estrutura inovadora, o longa-metragem consegue retratar o que propõe de maneira correta e visualmente bela. Mesclando esses realismos e lirismos, se cria uma espécie de realismo fantástico, gênero bastante difundido na América do Sul, mas que nem sempre está ligado à situação de povos originários. É um ótimo ponto de partida para o diretor, sendo apenas o seu primeiro longa-metragem e indicando que possivelmente se tornará um nome conhecido dentro do meio cinéfilo em seus próximos projetos.
A distribuição do filme no Brasil está sendo realizada pela Descoloniza Filmes. Verifique a programação na sua cidade.