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Foto do escritorCarol Ballan

TIFF dia 13/set: Fingernails, Sisterhood, What We See e A Match

Fingernails (Christos Nikou, 2023, EUA e Reino Unido)


O cinema grego está em um momento de alta em Hollywood, ou pelo menos os cineastas advindos dele. Yorgos Lanthimos ganhou a premiação de Melhor Filme no Festival de Veneza com seu novo lançamento Pobres Criaturas, mostrando uma assimilação de seu humor peculiar e histórias complexas pela crítica especializada. Ao mesmo tempo, Christos Nikou, que foi seu assistente de direção em Dente Canino, lança seu segundo longa-metragem como diretor.



Fingernails chama a atenção de qualquer fã de ficção científica pela sua premissa simples e eficiente: em um futuro próximo, casais podem comprovar o seu amor através de um teste simples a partir de suas unhas. Há três resultados possíveis, um que confirma que ambos estão apaixonados, um que diz que apenas um dos dois está apaixonado, e finalmente o resultado negativo, quase uma sentença de condenação para o relacionamento. Ryan (Jeremy Allen White) e Anna (Jessie Buckey) são um casal felizmente validado pelo teste, mas questionamentos surgem em sua vida quando Anna passa a trabalhar no laboratório que faz esses testes.


A premissa é ótima em um mundo que cada vez mais percebe os relacionamentos românticos a partir de um ponto de vista utilitarista e através das redes sociais e as novas tecnologias. Isso somado aos personagens levemente desagradáveis e que, por conta disso, nos convencem de sua humanidade, poderia levar a um resultado excelente em relação às reflexões propostas. Soma-se ainda um visual ao mesmo tempo sóbrio e nostálgico que conversa com visões atuais sobre o futuro que o tornam crível e quase um anunciador de um novo possível aplicativo de relacionamento. 


O maior deslize do longa-metragem está na falta de aprofundamento que se faz do tema sugerido, nunca avançando a discussão para uma camada mais complexa e profunda, se mantendo sempre em uma camada ligada ao amor romântico e aceitável pelo público. A ousadia daquele primeiro momento do cinema grego contemporâneo parece não conseguir extrapolar a ideia inicial, com toda a discussão subsequente sendo pautada em uma visão de amor ultrapassada, romântica e que não acrescenta nada ao que a sociedade já valida. Acabamos chegando a uma proposta que, se lavada com maior radicalidade, apresentaria um potencial enorme dada a sua qualidade técnica, mas que se torna esquecível devido à sua limitação.


Mesmo assim, é importante ressaltar que o elenco consegue levar o público ao entretenimento durante todo o filme, com uma reflexão maior ocorrendo apenas quando as luzes da sala se acendem. Jeremy Allen White, Jessie Buckley e Riz Ahmed (que interpreta o colega de trabalho de Anna, Amir) reafirmam suas qualidades de atuação criando um drama envolvente. A maior dificuldade da obra é a mensagem que ela deixa suspensa após o seu término.


Sisterhood (Nora el Hourch, 2023, França)


Sisterhood é um filme que chama a atenção por sua pergunta central: como é ser uma mulher crescendo em uma sociedade com acesso à informação, tecnologia, e na qual o consentimento é abertamente discutido em movimentos sociais? Começando com uma ousada cena na qual um grupo de amigas refuta as investidas violentas de um grupo de rapazes, que reclamam sobre a dificuldade de ser homem em uma era de mulheres empoderadas, pode parecer que a diretora franco-marroquina Nora el Hourch tem uma visão idealizada da situação. No desenvolvimento da obra, apesar de certa cacofonia das cenas e situações, compreende-se melhor que ela trás mais discussões do que inicialmente mostrado.



Aos poucos descobrimos as diferenças entre as amigas Amina (Léah Aubert), Djeneba (Médina Diarra) e Zineb (Salma Takaline), ao mesmo tempo em que elas mesmas percebem que ocupam espaços diferentes dadas suas religiões, raças e classes sociais. Com o impulso inicial da exposição de um assédio sofrido por Zineb, esse grupo antes tão unido entende que, apesar da boa vontade da juventude, as circunstâncias e consequências serão muito diferentes para cada uma delas. 


Trazendo dentro deste assunto principal diversas camadas que envolvem múltiplas questões sobre o que é ser uma jovem atualmente na França, são levantadas mais questões do que um filme seria capaz de responder, o que é positivo para o espectador que seguirá pensando sobre o que foi abordado. No entanto, por utilizar o discurso incansável entre as três amigas, há também momentos em que mensagens se perdem pelo formato abordado. Como uma resposta a um cinema francês que é muito avançado em suas discussões, mas que tende a ouvir uma visão muito masculina do mundo, a obra é um ótimo impulso para iniciar essa nova discussão - mas como toda primeira obra a fazê-lo, deixa claro que há pontos importantes para se aprofundar. 


What We See (Carol Kunnuk e Lucy Tulugarjuk, 2023, Canadá)


Continuando o destaque dado aos filmes de povos nativos, desta vez em uma narrativa que mistura documentário e ficção de maneira tão tênue que é impossível compreender quais partes seriam encenações e quais são reais. E este formato é perfeito justamente por poder tocar em um assunto muito real na vida de mulheres Inuit, mas que segue sendo abafado por sua falta de representatividade.



Através de diversas conversas entre as irmãs representadas pelas diretoras, aos poucos vai se delineando uma situação geral da situação da comunidade no país. Saqpinak é a irmã que permaneceu no Norte, com dificuldades tanto com o sinal de internet quanto com as recomendações relativas à Covid. A própria pandemia é inserida na narrativa com um propósito claro, ao contrário de muitas produções que retratam o período: mostrar como o acesso aos tratamentos e informações naquela parte do país é precária. Já Uyarak é a irmã que foi para Montreal por conta de um tratamento médico indisponível em sua região natal. 


Enquanto as conversas vão avançando, é revelada uma camada de abusos às mulheres Inuit que talvez seja conhecida por um canadense médio, mas que é aterrorizante para uma espectadora leiga como eu. De forma natural e contextualizada, é feita uma espécie de terapia em família que, apesar da situação específica, consegue ressoar em pessoas de qualquer parte do mundo. A emoção alcançada é universal, e é impossível sair da sessão de cinema de maneira indiferente.


Apesar de ter uma história relativamente simples, este é um filme no qual a escolha de formato é um dos motivos mais importantes para o seu sucesso. Entre as conversas de Zoom cheias de saudades e a necessidade de lidar com um novo trauma coletivo, as diretoras conseguem criar consciência sobre um problema que a maior parte dos espectadores jamais conheceria se não fosse por sua obra. As diretoras alcançaram perfeitamente seu objetivo sem a necessidade de superproduções, um feito incrível em meio a um festival com direito a estrelas hollywoodianas.


A Match (Jayant Digambar Somalkar, 2023, Índia)


Um filme que poderia ter passado completamente despercebido pelo meu radar e só entrou na minha lista para assistir por conta de uma indicação de uma colega indo-canadense, A Match também entra nessa lista de obras com um viés feminista forte a partir de uma experiência muito específica, mas que tem reflexos em quaisquer sociedades. O foco narrativo é em Savita (Nandini Chikte), uma jovem indiana da zona rural que, apesar de seus esforços para estudar e criar uma carreira, acaba sendo forçada a participar de vários processos para tentar encontrar um marido. Entre situações mais casuais e até uma espécie de feirão dos casamentos, há uma pressão social forte para que ela encontre logo um noivo, e o mesmo ocorre com suas duas melhores amigas e colegas de faculdade.



Um dos principais feitos do diretor é a sua capacidade de transportar os espectadores para o local no qual filma. Mesmo se tratando de um local específico e com ritos e costumes particulares, há uma clareza na comunicação que permite que se entendam todos os fatores envolvidos, desde a cultura de um modo geral até a difícil situação dos trabalhadores rurais da região, que vêem seu produto cada vez mais desvalorizado. Com isso, por mais que se compreenda que é uma realidade distante, também se percebe como existem paralelos com seu lugar de origem.


Há também um olhar cuidadoso com cada personagem, deixando claro que cada um tem suas qualidades e defeitos e que não há um grande vilão a ser culpado senão o patriarcado. A própria protagonista é teimosa ao mesmo tempo em que persistente nos estudos; seu pai tem boas intenções e quer o melhor para a família, mas não percebe o quanto o elemento cultural atrapalha; suas amigas têm suas próprias histórias e não estão na obra apenas para cumprir uma cota de tempo de tela. Vamos nos interessando por cada uma das tramas abertas, e o roteiro é capaz de dar um fechamento para cada uma das questões levantadas. 


Percebe-se que o diretor conhece bem a situação demonstrada, e o nível de detalhe de situações como a entrevista com a possível noiva trazem um entretenimento quase culpado ao se perceber o ridículo da situação. Saber que parte do elenco é de familiares do próprio diretor adiciona essa camada de significado para a obra e ajuda a compreender a sua necessidade de ser repassada para o mundo, assim como em What We See.


Tendo um tom bem mais leve e jovem, mas igualmente permanecendo na cabeça de quem assiste muito depois de sair da sala de cinema, A Match é uma ótima obra para mostrar as consequências finais de um sistema capitalista patriarcal. A capacidade do diretor de levar as situações para o extremo é o que o torna inesquecível, e mesmo que se sorria durante grande parte da exibição, há um amargor ao repensar em toda a situação retratada.

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