Crítica | 75ª Berlinale | Dreams

Dreams (México e EUA, 2025)

Título Original: Dreams

Direção: Michel Franco

Roteiro: Michel FrancoElenco principal: Jessica Chastain, Isaac Hernández, Rupert Friend, Marshall Bell, Eligio Meléndez, Mercedes Hernández, Jim Anderson e Bobby August Jr

Duração: 95 minutos

Uma estadunidense milionária e um mexicano muito talentoso, porém de classe média. Ainda que não envolva exatamente famílias inimigas, esse poderia ser o contexto de um Romeu e Julieta do século 21. Mas os nossos tempos não permitem tamanha dicotomia, e o que temos como resultado são personagens separados por uma grande diferença de classe social tentando conciliar o amor de maneira inicialmente menos trágica.

Já no início do filme somos surpreendidos com a cena na qual Fernando (Isaac Hernández) é levado através da fronteira entre os países dentro de um caminhão, junto com diversos outros mexicanos. Eles estão todos tossindo, parecendo prestes a morrer, até que o rapaz consegue sair dessa sua prisão temporária. Então, com ajuda de outra imigrante, ele consegue começar a sua jornada em direção ao seu amor, Jennifer (Jessica Chastain), uma mulher milionária com a qual teve um relacionamento no México. Então, fica a dúvida: seria possível o relacionamento entre pessoas com tamanha distinção de classe socioeconômica, ainda mais considerando o status de uma delas como imigrante ilegal?

Apesar da química sexual assombrosa, a resposta para essa pergunta, feita em um país que elegeu pela segunda vez Donald Trump, é bem fácil. Se quando ele sai do caminhão já vemos uma bandeira dos confederados hasteada em um restaurante, mesmo na chegada de Fernando à vida da mulher liberal na fala, é difícil dizer que o filme surpreende em seus questionamentos. Ainda assim, ele é bem eficiente em mostrar as hipocrisias de um sistema, com a clara diferença entre o discurso progressista da família de Jennifer e a realidade com a qual nos deparamos quando esse discurso deveria ser reforçado. É como a famosa frase “não tenho nada contra, tenho até amigos que são”, que tenta disfarçar o preconceito com uma vivência invisível. 

Com pouco espaço para a sutileza em seu discurso, ironicamente são os momentos sutis que tornam a obra mais interessante. Desde o início, por exemplo, há uma brincadeira da direção de arte ao mostrar elementos como uma bolsa de Jennifer cujo preço exorbitante é o valor que algumas famílias precisam para ter uma mudança de vida. Assim como, apesar de ser óbvio que os EUA são um país cuja economia de base funciona à base de trabalho de imigrantes, ao se deparar com a realidade de que Fernando consegue se comunicar com garçons e funcionários que Jennifer não consegue, ela se enfurece. 

Aviso: esse parágrafo contém spoilers do filme

Conforme se desenvolve e vai se aproximando do fim, pensamos que o filme se desenvolveu para contar essa história já óbvia, mas ainda necessária, da opressão sistêmica entre classes no caso específico estadunidense. No entanto, existe uma cena de estupro no final da obra que invalida tanto a sua própria mensagem que o incômodo supera qualquer intenção do filme. É compreensível a lógica de que Fernando, finalmente irado pela situação, deseje e realize o mesmo tipo de crueldade que lhe foi imposto – e como latina, inclusive sinto algum prazer em ver seus primeiros atos de vingança. Também compreendo a questão de que, por ser um homem, Fernando sempre será capaz de uma violência de gênero que Jennifer não conseguiria. No entanto, ao criar essa situação, o estereótipo de homens mexicanos como violentos e capazes de qualquer coisa pelas suas emoções é reforçado de uma maneira muito prejudicial se considerarmos o contexto do mundo atual. Para além disso, não há nem indícios do acontecimento ao longo da obra, fazendo com que o incômodo seja ainda mais generalizado.

Assim, mesmo considerando toda a construção do filme, seu resultado final é politicamente muito nocivo, além de narrativamente simplista e evitável. Mesmo sendo apontado como provocador, na verdade isso só nos lembra da fragilidade da ficção. Mesmo não sendo o conto de fadas trágico, mas sim um cínico e mais atualizado para a atualidade, ele ainda é difícil de engolir.

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