A Melhor Mãe do Mundo (Brasil, 2025)
Título Original: A Melhor Mãe do Mundo
Direção: Anna Muylaert
Roteiro: Anna Muylaert, Grace Passô e Mariana Jaspe
Elenco principal: Shirley Cruz, Seu Jorge, Rhianna Barbosa, Benin Ayo, Katiuscia Canoro e Rejane Faria
Duração: 105 minutos
A cena que inicia A Melhor Mãe do Mundo é muito impactante. Temos uma mulher, Gal (Shirley Cruz), que visivelmente passou por uma agressão física passando pelo processo de denúncia em uma delegacia. Sem nem conseguir falar direito sobre o ocorrido, a opressão já fica clara naquele momento inicial: além da diferença de classes entre ela e a delegada, a segunda insiste em lembrar que a abertura de um B.O. não poderia ser desfeita futuramente, desencorajando o ato. Esta mulher, que ao falar vinte frases já compreendemos que passa pela violência estrutural de ser pobre no Brasil, passa por mais uma experiência assim.

As cenas seguintes servem para conhecermos um pouco melhor essa mulher longe daquele local específico, mas passando pelo mesmo tipo de opressão. Seja passando pela máquina de moer gente que é São Paulo, na qual ela trabalha como catadora de recicláveis, ou retirando seus filhos da casa onde seu agressor mora, é ressaltada sua coragem e bom humor apesar das dificuldades. Por mais que acabe até se encaixando em um estereótipo, há na personagem e nos seus filhos Rhianna (Rhianna Barbosa) e Benin (Benin Ayo) personalidade o suficiente para que a história se desenrole sem que isso incomode os espectadores. E este desenrolar, como imaginado, está na busca de Gal pelo seu lugar no mundo, tentando se entender e encontrar após o término de um relacionamento abusivo.
A performance de Shirley é um elemento que se destaca desde a cena inicial, mas que permanece igualmente incrível ao longo de todo o filme. Das cenas com muita corporalidade necessária para carregar a carroça cheia até os poucos momentos de ternura que lhe são permitidos, a atriz transmite excelentemente as dores e as pequenas alegrias que é ser essa mulher. Rhianna e Benin também se mostram muito adequados, conseguindo trazer mais leveza a cenas que outrora seriam difíceis de digerir. A dualidade segue acompanhando Gal em toda a sua jornada, e isso se reflete nas companhias que ela consegue ao longo do caminho. Ninguém que ela encontra é completamente bom ou ruim, mostrando que há ótimas pessoas às quais falta oportunidade, e péssimas pessoas que só precisam de uma chance para mostrar suas péssimas intenções.
Outro destaque é a poética fotografia de Lílis Soares, que já mostrou seu talento em Mami Wata (2023) e que aqui repete o feito. As cenas mais simples, da mulher andando com a carroça e os filhos por uma cidade que normalmente está totalmente alheia à sua presença, são construídas de forma a mostrar dramaticidade sem precisar dizer uma palavra. Assim, quando muitas vezes o filme utiliza as palavras para reforçar ideias que já estão em tela por conta dessas imagens, ele se torna um tanto repetitivo e perde parte de sua força por criar um discurso panfletário, compreensível em um Brasil bastante conservador, mas que não traz benefício ao longa-metragem.
Assim, Anna Muylaert consegue trazer às telas mais uma história invisibilizada de nosso país, por mais que todos nós conheçamos alguma Gal. Voltando a uma retórica semelhante à de Que Horas Ela Volta? (2015), seu maior sucesso até o momento, a diretora consegue trazer esses personagens complexos e extremamente brasileiros para uma audiência internacional.