A Voz Que Resta (Brasil, 2024)
Título Original: A Voz Que Resta
Direção: Gustavo Machado e Roberta Ribas
Roteiro: Vadim Nikitin
Elenco principal: Gustavo Machado e Roberta Ribas
Duração: 86 minutos
Distribuição brasileira: Pandora Filmes
Ainda que neste momento estejamos em uma celebração do cinema nacional pautada pelas indicações de Ainda Estou Aqui a diversas premiações, grande parte do nosso cinema segue sendo produzido de forma independente. É o caso de A Voz Que Resta, que os próprios diretores intitulam como cinema de guerrilha, e que adapta um monólogo teatral para as telas grandes.

Com a peça como texto-base, é contada a história de Paulo (Gustavo Machado), um homem em crise por conta de seu relacionamento com Marina (Roberta Ribas), uma mulher casada que mora em seu prédio. A dupla de atores também contracenou nos teatros, e agora parte para uma co-direção para a adaptação. Ou seja, são duas pessoas extremamente fluentes naquele texto e com uma clara paixão pelo projeto, algo que fica bastante claro desde as primeiras cenas.
A história contada, como se pode prever, não contém nenhum elemento inovador em termos de narrativa. É a história de um homem que se envolveu em um romance com uma mulher comprometida e que não consegue se mover. Ainda que não inovadora, é uma história que ecoa a discussão sobre a masculinidade tóxica brasileira, presente desde clássicos como Dom Casmurro até discussões mais atuais e aprofundadas. Colocando seu personagem principal em um prisma de autoanálise e de sofrimento, percebe-se uma humanização da situação – mesmo que também deixando clara a sua crítica ao comportamento masculino infantilizado nas sutilezas do texto.
A dupla de diretores trabalha muito bem ao contrapor este tom atemporal do texto com uma linguagem mais inventiva. Utilizando o fato narrativo de esta ser uma mensagem deixada em uma fita cassete para que a amante assista, eles aproveitam para utilizar câmeras extremamente próximas em um ambiente pouco definido e com iluminação colorida, gerando uma claustrofobia que imita o estado interno de Paulo. A atmosfera funciona muito bem para as telas grandes e faz com que os espectadores sintam as angústias do protagonista, o que é uma sutileza de direção necessária para que se consiga criar uma empatia mínima com o personagem principal.
É justamente o recorte temático da obra que se torna o seu ponto fraco, não porque uma história já conhecida não possa ser recontada de maneira eficiente em outro meio, mas porque trazer o lado masculino de um relacionamento extraconjugal não eleva muito a discussão sobre masculinidade proposta. Há justamente uma misoginia explícita, colocada em tela para provocar, mas que talvez por conta da adaptação a um formato mais fechado do que o palco, não cria uma discussão e apenas aponta uma característica social.
Os maneirismos do texto teatral também não funcionam tão bem em tela, com a repetição de palavras ou trechos (“Nevermore”) gerando um efeito de irritação ao invés da fixação que poderia se esperar. Ainda que exista uma ótima atuação para dar voz e corpo ao texto, ele ainda parece muito conectado ao palco, sem ter a mesma preocupação que se teve com a adaptação estética.
Assim, por mais que exista um talento e um potencial em trazer discussões relevantes, o filme se perde em si mesmo ao não trazer o espectador para dentro do seu universo. Faltando uma universalidade no personagem que o conecte ao público feminino e com um texto repetitivo para os cinemas, é difícil que ele se torne realmente memorável ao espectador.