Hora do Recreio (Brasil, 2025)
Título Original: Hora do Recreio
Direção: Lúcia Murat
Duração: 83 minutos
Os primeiros minutos de Hora do Recreio pegam de surpresa quem espera um documentário que vá “apenas” se enveredar pela rotina dos alunos nas escolas do Brasil. A partir da visão dessas crianças e adolescentes cuja vida impõe certa maturidade, a diretora Lúcia Murat reflete sobre vários aspectos da sociedade e pautas relevantes que afetam diretamente a vida dos meninos e meninas que vemos na obra. Os vemos falar de violência de gênero, racismo e homofobia, tópicos que eles possuem mais do que opiniões simples: possuem vivências. E a montagem realizada na obra potencializa seus discursos para mostrar como isso diz mais do que sobre a vida deles, pois fala muito do Brasil em si.

Esse primeiro momento chama atenção pela crueza com a qual somos introduzidos ao filme, com um professor questionando sobre violência contra a mulher para uma sala do ensino médio que, pouco a pouco, vai se abrindo para compartilhar suas histórias. Não há nenhum aspecto para realçar isso, tentando tornar o momento doloroso, apenas o teor dos depoimentos que trazem, com vozes carregadas de honestidade, um choque de realidade. Alguns detalhes se repetem – questões como o envolvimento de um dos pais, ou mesmo ambos, com vícios e a criminalidade da periferia – ao mesmo tempo que um ar de otimismo recai sobre os alunos conforme eles indicam uma forte vontade de quebrar esses ciclos, tanto buscando um futuro melhor para si quanto pensando em prover uma realidade mais confortável às próprias mães.
Murat não precisa se esforçar muito para trazer peso ao seu documentário justamente pela maneira como a realidade é apresentada. É algo que talvez escape aos olhos do espectador que não esteja familiarizado com a vida na escola pública, mas que o filme encapsula e representa de maneira eficaz, evidenciando um sintoma de uma desigualdade óbvia para qualquer um que se permita vê-la. Um bom exemplo é quando a diretora busca filmar em outra escola e não consegue pelo fato das aulas estarem canceladas devido ao risco de troca de tiros, conforme ocorre uma operação policial. Mais do que alguns dias de aulas perdidos, a escola fechada também dificulta a vida de pais que precisam sair para trabalhar e impacta até a sobrevivência daquelas famílias, seja por programas de incentivo do governo ou até mesmo pela alimentação que as crianças têm na escola – que em muitos casos, é a única que possuem.
Talvez por trabalhar tantos temas interessantes, Hora do Recreio não escape de causar um sentimento de cansaço em alguns momentos. Não há uma grande curva dramática, pois ela acaba diluída conforme a diretora passeia entre as escolas e traz suas questões mais definidas e aprofundadas de maneira episódica: a primeira escola traz questionamentos sobre violência contra a mulher e de gênero com alunos do ensino médio, a terceira foca mais na problemática do racismo com alunos do ensino fundamental, por exemplo. Sempre com uma montagem realizada de forma simples, buscando valorizar os depoimentos dos alunos e trazer, através deles, um traço de otimismo conforme os vemos exercer sua voz sobre essas questões à sua própria maneira.
No cerne da questão, Murat acaba refletindo sobre a problemática social de maneira bem completa: toca indiretamente no problema da evasão escolar, onde milhões de alunos acabam abandonando os estudos para trabalhar – aliado ao fato de que a escola é um lugar pouco seguro para muitos deles, o que é evidenciado pelas falas de alunos transgêneros ou homossexuais – enquanto pauta a desigualdade social com bastante transparência, trazendo ao documentário até mesmo as dificuldades que são impostas à ela pela secretaria da educação. Talvez por isso que algumas sequências, como a dos alunos indo em uma excursão pela cidade, sejam dotados de carisma: não apenas temos a oportunidade de os vermos livres de um ambiente tão intimidador quanto a escola, mas pela forma como os educadores interagem com eles, com uma genuína vontade de falar sobre história e arte. Uma genuína vontade, portanto, de criar uma geração que poderá, através da educação, pensar mais, buscar e abraçar mais oportunidades.
Hora do Recreio acerta tanto em um retrato carregado de sinceridade que acaba perdendo força quando a diretora opta por um segmento que mescla a sala de aula com uma peça de teatro. Ao abordar uma turma que se propõe a adaptar o livro Clara dos Anjos, de 1948, Murat cria um tom bem diferente para o longa. E embora crie um segmento curioso e bastante distinto, mais lúdico”e até meio poético, acaba também criando um sentimento dissonante do impacto que havia sido construído anteriormente. É uma passagem intrigante e importante para nos lembrar que nem tudo é uma tragédia – já que vislumbrar um futuro mais otimista é algo sugerido mais de uma vez no documentário –, mas ao suavizar o peso da realidade crua daquelas crianças, adolescentes e jovens adultos, acaba diluindo também o impacto da reflexão proposta pelo viés mais esperançoso.