Crítica | Um Pai Para Lily

Um Pai Para Lily (EUA, 2024)

Título Original: Bob Trevino Likes It
Direção: Tracie Laymon
Roteiro: Chris Tracie Laymon
Elenco principal: Barbie Ferreira, John Leguizamo, French Stewart, Lauren ‘Lolo’ Spencer, Rachel Bay Jones, Ted Welsh e Tony Milder
Duração: 101 minutos
Distribuição brasileira: Synapse Distribution

Um Pai Para Lily: longa indie estrelado por atriz de ‘Euphoria’ é uma grata surpresa nos cinemas sobre dependẽncia emocional e autocrítica.

A maioria de nós já ouviu a ordem “não fale com estranhos” vinda dos pais. Digo a maioria porque nem todos tiveram pais suficientemente presentes para isso — e a protagonista de Um Pai Para Lily é um desses exemplos. Abandonada pela mãe, viciada em drogas, na infância, Lily (Barbie Ferreira) é deixada sozinha com o pai (French Stewart), um homem cronicamente narcisista e manipulador. Passa a vida tentando agradá-lo para se sentir minimamente amada. Em uma das muitas brigas causadas pelo ego dele, ela fica desesperada para se reconciliar e tenta entrar em contato pelas redes sociais. É então que, ao confundi-lo com um outro perfil de mesmo nome, encontra acolhimento na companhia de um outro pai: um outro Bob Trevino (John Leguizamo).

A premissa de Um Pai Para Lily é minimamente improvável, para não dizer inocente. Afinal, quais são as chances de uma jovem encontrar outro Bob Trevino no Facebook justamente enquanto tenta se reconciliar com seu pai, e os dois desenvolverem uma grande amizade? Poderíamos dizer que o roteiro de Tracie Laymon força a barra para que as coincidências conspirem a favor de uma emocionante história ao estilo Sessão da Tarde. Contudo, descobrimos que o roteiro é baseado em uma história real, e compreendemos que a história é simplesmente improvável demais para ter sido inventada. Parte da cativante experiência de assistir ao longa, inclusive, está em não saber disso até os minutos finais, para que tenhamos a surpresa com o fato de que, às vezes, as narrativas mais inusitadas também são as mais reais.

Apesar do selo “baseado em uma história real” e de um nome de peso no elenco, como Barbie Ferreira (atriz americana com ascendência brasileira que alcançou fama mundial em 2019 após interpretar Kat em Euphoria), Um Pai Para Lily chegou aos cinemas com uma divulgação tímida, mas não deve passar em branco pelos espectadores. O filme venceu 13 prêmios do público ao redor do mundo, incluindo o SXSW (South by Southwest), um dos principais festivais do cinema indie, e encanta pelo equilíbrio entre drama e humor.

Tracie Laymon, que além de roteirista também dirige a adaptação, sabe dosar o tom cômico em personagens envoltos em tantas camadas dramáticas. Barbie Ferreira e John Leguizamo interpretam figuras marcadas por traumas delicados: ela, criada por pais extremamente problemáticos que danificaram sua psique; ele, calejado pela perda precoce do filho para uma doença congênita. Apesar da veia melancólica, Um Pai Para Lily é leve como um fôlego após muito tempo prendendo a respiração. Uma das melhores cenas que demonstra o domínio de Laymon sobre a dramédia está logo no início, quando Lily passa por sua primeira sessão de terapia e, no final da conversa, acaba consolando a terapeuta pouco experiente por sua própria vida trágica. É um daqueles momentos de “rir para não chorar”.

Barbie Ferreira é o grande destaque do elenco, não apenas por protagonizar a trama, mas pela maneira como sua doçura é ressaltada em meio às cicatrizes emocionais. Sua participação na série Euphoria lhe trouxe a visibilidade necessária para crescer como atriz, mas sua saída da produção criada por Sam Levinson — após divergências criativas — também gerou incertezas sobre os rumos de sua carreira. Apostando no protagonismo no cinema independente após papéis pequenos em produções do mainstream, ela brilha com toda a vulnerabilidade represada em Euphoria. Se na série da HBO teve um arco narrativo negligenciado na segunda temporada, aqui tem espaço para performar toda a sensibilidade inexplorada em trabalhos anteriores. Seu olhar esbugalhado e sua voz rouca expressam com precisão a dependência emocional e a autocrítica com as quais a personagem lida, reflexos da rejeição paterna.

Neste sentido, Um Pai Para Lily pode até parecer uma obra sobre paternidade em um primeiro momento, mas a narrativa revela mais do que isso. Lily é uma people pleaser, ou seja, uma pessoa viciada em agradar os outros, mesmo que isso a prejudique. O caminho para o autocuidado e para a autoaceitação, independente da aprovação paterna, dialoga com os conflitos de muitos que se identificam com seus comportamentos carentes.

Ainda vale ressaltar a direção de elenco de Kate Geller (Shiva Baby e Marcel – A Concha de Sapatos). Além de acertar ao escalar Ferreira no papel principal, Geller também acerta com John Leguizamo (O Menu, Encanto), na postura de um pai sem filhos, protetor e com senso de humor duvidoso, e com Lauren Spencer, que interpreta a amiga de quem Lily é cuidadora e levanta o astral quando o roteiro beira a melancolia (em um papel semelhante ao que fez em A Vida Sexual das Universitárias).

Portanto, Um Pai Para Lily nos arranca sorrisos singelos com uma narrativa despretensiosa e eficaz. É um daqueles filmes dos quais você não espera muito, mas que acabam deixando o coração quentinho e a sensação de que o tempo investido valeu a pena.

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