Crítica | Vitória

Vitória (Brasil, 2025)
Título Original: Vitória
Direção: Andrucha Waddington
Roteiro: Paula Fiuza e Fábio Gusmão
Elenco principal: Fernanda Montenegro, Linn da Quebrada, Alan Rocha, Sacha Bali, Jeniffer Dias, Thelmo Fernandes e Ramon Francisco
Duração: 112 minutos

A história real de ‘Vitória’ vivida por Fernanda Montenegro em uma janela indiscreta de RIo de Janeiro

2025 mal começou e já se mostrou um ano muito rentável para o cinema brasileiro. Em apenas três meses, vimos O Último Azul, de Gabriel Mascaro, levar o Urso de Prata no Festival de Berlim, e assistimos Walter Salles e Fernanda Torres conquistarem o primeiro Oscar da história do nosso cinema com o canônico Ainda Estou Aqui — isso sem falar em O Agente Secreto, de Kleber Mendonça Filho, que foi selecionado para a competição principal do Festival de Cannes deste ano. A esse conjunto de títulos, podemos acrescentar Vitória, que, em menos de um mês em cartaz, alcançou meio milhão de espectadores e já se tornou a maior bilheteria nacional do ano até agora.

O longa se baseia na história real de Joana, conhecida como Nina, uma aposentada que mora sozinha em um apartamento em Copacabana, no Rio de Janeiro. Contudo, ao contrário do que se espera, a paisagem da janela de Nina não são as cobiçadas praias cariocas, mas uma cena de crime onde o narcotráfico impera e deixa os moradores em constante estado de alerta, com tiroteios a qualquer hora do dia. Cansada de viver ao som de tiros, ela compra uma filmadora e começa a gravar tudo que acontece do outro lado da rua, até que registra uma morte violenta e denuncia o caso à polícia.

Quando Vitória foi anunciado, chamou minha atenção (e acredito que a de muitos cinéfilos) por dois motivos: Fernanda Montenegro e Janela Indiscreta (1954). Qualquer produção que leve o nome da dama do cinema nacional nos créditos já gera certa expectativa — em Ainda Estou Aqui, por exemplo, ela aparece em uma única cena e é capaz de levar o público às lágrimas. Em Vitória não é diferente. Aos 97 anos, Montenegro ainda surpreende com sua capacidade indescritível de não só emprestar seu rosto à personagem, mas também seu corpo, sua voz e seus trejeitos. No caso desta protagonista, nos sensibiliza a coragem mesmo diante de tanta fragilidade. É uma senhora que, sozinha, está disposta a enfrentar bandidos armados em prol do bem-estar da comunidade, de poder tomar seu café da tarde sem quebrar uma xícara com o estalo de um tiro.

É o jeito como ela segura o pedaço de bolo, como entrega o trocado ao menino que a ajuda com as sacolas pesadas, como segura as bolsas coladas ao corpo — talvez por medo de que lhe tirem o pouco que tem. Entretanto, essa presença em cena de Fernanda Montenegro, que engrandece a protagonista, é também a que quase rouba a cena da própria biografada. Ao escalar uma atriz de tal calibre, a direção de elenco deve estar ciente de que o nome pode ter mais peso que o próprio filme, e isso pode ser um desafio se tratando de um roteiro baseado em uma história real. Por pouco, Vitória não se torna “o novo filme protagonizado por Fernanda Montenegro” em vez de uma adaptação da emocionante história de Joana Zeferino da Paz, uma massagista que se colocou em risco pela segurança dela e dos outros moradores da comunidade ao denunciar o crime escancarado que presenciava todos os dias.

Ademais, a escolha de Montenegro gerou outras controvérsias que quase colocaram o sucesso da produção em xeque. Falecida em agosto de 2023, a Vitória da vida real é representada de forma semelhante à descrita no livro Dona Vitória Joana da Paz, escrito por Fábio Gusmão — jornalista que publicou a reportagem com as denúncias filmadas por ela. Contudo, a adaptação possui uma diferença importante: a Vitória original era uma mulher negra, mas foi interpretada por Montenegro, uma atriz branca. Apesar dessa mudança física que poderia ser problematizada de imediato, a equipe do filme esclareceu que Joana permaneceu no Programa de Proteção a Testemunhas por toda sua vida, e suas características só foram reveladas após sua morte, que ocorreu um ano depois de o filme já estar em produção. Em todo caso, uma amiga próxima garantiu que Vitória ficou honrada em ser representada por Montenegro nas telonas.

A referência direta a Janela Indiscreta, de Alfred Hitchcock, é outro ponto alto da obra de Andrucha Waddington. Em Vitória, assim como no suspense de Hitchcock, acompanhamos a protagonista testemunhando o crime da janela do seu apartamento, enquanto se vê na posição de voyeur, quase impossibilitada de interferir no que vê entre as persianas. A direção de Waddington vê no ponto de vista observador da aposentada um gancho para fazer uma releitura de um clássico da Era de Ouro de Hollywood, e o resultado é uma adaptação robusta que capta o apelo narrativo do original, mas tem repertório próprio.

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