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Foto do escritorCarol Ballan

TIFF dias 16 e 17/set: Riddle of Fire, Chuck Chuck Baby e Evil Does Not Exist

Riddle of Fire (Weston Razooli, 2023, EUA)


Algo que me conquista como espectadora de um filme é a estética. Eu não consigo dizer não para um Wes Anderson novo e me deixo abalar por marketings bem-feitos como o de Barbie. Assistir Riddle of Fire me fez lembrar que um filme pode ser uma experiência estética única, e que não precisa de milhões de dólares para isso.



O filme conta a história de um grupo de amigos como em pequenas missões de RPG. Alice (Phoebe Ferro), Hazel (Charlie Stover) e Jodie (Skyler Peters) começam a obra já em meio a uma missão de roubo. Em seguida, compreendemos que aquele é o roubo mais importante do verão: um videogame, que eles pretendem jogar intensamente. Mas, quando eles vão pedir para Julie (Danielle Hoetmer), a mãe de Jodie, para jogar, surge uma nova missão: comprar uma torta de blueberry! É nesta lógica que toda a trama se desenvolve, com missões cada vez mais complexas e que começam a envolver magia quando eles se deparam com uma bruxa e sua filha fada Petal (Lorelei Olivia Mote).


Com esse clima leve e uma trilha sonora espetacular que nos juntamos ao pequeno grupo de amigos em uma aventura atemporal que facilmente poderia se tornar um clássico cult. Na melhor definição possível do que é camp, a obra consegue aproveitar todas as suas peculiaridades para as otimizar. Desde as legendas utilizadas no ator mirim que é difícil de compreender até um personagem que tem uma pequena aparição absolutamente sem sentido, sente-se que toda aquela história foi pensada com um imenso afeto, e que todo o universo criado poderia se desdobrar em um sem fim de novas narrativas.


Mostrando que trabalhar com atores infantis é um trabalho sério, o diretor não economiza em suas cenas com crianças, o que é impressionante dada a filmagem bastante rápida. A escolha das locações também é essencial, principalmente para as cenas do bar, que não teriam o mesmo charme se não fossem gravadas naquela residência artística. 


Ainda que bastante fofo e muitas vezes absurdamente politicamente incorreto, o maior problema é que, dada a estrutura repetitiva de pequenas missões, chega um momento no qual ele se torna cansativo. Se estruturado com menos missões, mais enxutas, ou com mais quebras como a cena de dança, esse é um problema que passaria despercebido, mas infelizmente chega um momento no qual nos questionamos se aquela será, enfim, a última missão.

 

Mostrando que o cinema independente e ligeiramente estranho dos EUA ainda vive, o filme é mais um respiro cômico em meio à programação tensa. Espero que ele tenha alguma distribuição no Brasil.


Chuck Chuck Baby (Janes Pugh, 2023, Reino Unido)


Um raro drama lésbico galês, Chuck Chuck Baby é mais uma obra que se destaca por sua forma e conteúdo doces, ainda que recheado de drama de alta qualidade. Trazendo a solidão da mulher LGBTQIAP+ para um ponto central da trama, conhecemos Helen (Louise Brealey), uma mulher absolutamente deslocada dentro da casa em que mora com o ex-marido. Impossibilitada de sair por cuidar de sua sogra acamada, Gwen (Sorcha Cusack), ela apenas tem uma rotina absolutamente massante de trabalhar em um frigorífico de frangos e voltar para casa, às vezes saindo com suas amigas.



Isso muda quando sua ex-vizinha Joanne (Annabel Scholey) volta para a cidade após o falecimento do pai. Agora finalmente livre para decretar o seu antigo amor, elas acabam criando uma forte relação, obviamente muito mal vista pelos seus vizinhos conservadores. Com um excelente uso de objetos cênicos para criar essa relação existente em um cenário miserável de afetos e de dinheiro, assim como de possibilidades de uma mudança de vida para um lugar que as aceite melhor.


Seu grande ganho é justamente em conseguir retratar o amor existindo e resistindo nesse cenário, regado a músicas cantadas a plenos pulmões e em uma época no qual o cinismo parece andar de braços dados com a arte. É a pureza da história transmitida para a técnica audiovisual que cria um halo de luz sobre a obra, destacando-a justamente pela simplicidade.


Um aviso para quem, como eu, é vegetariano ou vegano: há diversas cenas dentro do frigorífico. Caso você seja especialmente sensível, recomendo repensar se deve assistir. 


Evil Does Not Exist (Ryusuke Hamaguchi, 2023, Japão)


Pensando na técnica de deixar o melhor para o final, a alegria de ver um novo filme de Hamaguchi após o maravilhoso Drive My Car (Ryusuke Hamaguchi, 2021) foi um grande motivador para deixar este filme como minha obra de encerramento do festival.



A obra que foi apresentada é tão complexa e tem um final tão enigmático que eu pretendo rever o filme assim que anunciado para a 47ª Mostra de Cinema Internacional de São Paulo. Somos apresentados ao cenário naturalmente encantador de Mizubiki, onde Takumi (Hitoshi Omika) vive com sua filha Hana (Ryo Nishikawa). A cidade tem a notícia de que parte de seu terreno foi comprado por uma empresa que deseja fazer uma área de camping de luxo para hospedagem de pessoas endinheiradas de Tokyo. Obviamente, se inicia uma espécie de embate entre os moradores da cidade e os representantes da empresa, que também se mostram bastante desconfortáveis em estar fazendo este trabalho.


O que poderia ser uma simples disputa de capitalismo corporativista contra a resistência da vida em comunidade ganha traços menos simplistas e mais interessantes quando se começa a compreender que cada personagem, por mais silencioso que seja, carrega em si mesmo um universo de pensamentos e opiniões nem sempre ditas, mas normalmente representadas em pequenos gestos na atuação.


Assim, Hamaguchi obriga seus espectadores a apreciar um pouco mais os processos do que os finais. Construindo cenas longas e com pouquíssimas falas, ele relembra o quanto da vida que acontece nos momentos em que o filme geralmente é cortado. Mais reflexivo do que a obra anterior, mas ainda não tão contemplativo como outros filmes do início de sua carreira, ele parece encontrar um meio-termo maduro. Seu final devastador acaba levantando ainda mais dúvidas sobre o ocorrido, e faz com que as discussões pós-filme sejam tão ricas quanto o processo de vê-lo.


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