Apesar da contínua incerteza sobre a futura duração da onda de super-heróis, é fácil afirmar que filmes e séries que os retratam geram um grande movimento financeiro em Hollywood. De filmes de ação como a série Vingadores, passando pela construção, demolição e reconstrução do universo Marvel para televisão e séries mais autorais e críticas como The Boys, a possibilidade de criar personagens com superpoderes foi absorvida pelos roteiristas para contar os mais diversos tipos de histórias.
n E, nesta situação que já beira a saturação, surge uma série diretamente da mente de James Gunn, conhecido diretor de Guardiões da Galáxia e do remake de Esquadrão Suicida, um fã de quadrinhos empolgado com seu primeiro trabalho com a DC e entediado durante a quarentena. E nós, espectadores, somos levados à jornada de amadurecimento de Pacificador, vilão de Esquadrão Suicida, que ganha então sua própria narrativa tentando diminuir seus anos de pena em troca de outra missão quase suicida.
Fica claro desde o primeiro episódio que a série não seria algo genérico de super-heróis, mas sim uma obra bastante autoral de Gunn. Do uso do heavy metal meloso como elemento importante para unir um grupo disfuncional (dando um alô para Guardiões da Galáxia) até as cenas de gore (remetendo ao início de sua carreira de roteirista na Troma), fica bastante claro que criador se divertiu bastante desenvolvendo e dirigindo a narrativa.
Há ainda o uso de outra das habilidades de Gunn: a de olhar para os personagens com afeto, ao invés de simplesmente estereotipá-los. Do Pacificador que não passa de um idiota bem intencionado criado por um pai abusivo à sua identificação com Leota, que aceita o trabalho na missão por motivos financeiros, e Economos abordando a fragilidade masculina. Percebe-se que quase ninguém é tratado como simplesmente herói ou vilão, algo bastante comum em outras obras do gênero. Isso é exacerbado por um trabalho de casting excepcional, principalmente na contraposição entre John Cena como Pacificador, o físico de lutador forte e sexualizado em uma mente que beira o infantil, e Danielle Brooks como Leota, uma mulher negra, lésbica e gorda que inicialmente nem compreendemos porque está executando esse trabalho.
Em um ritmo de edição bastante intenso e um arco que consegue mostrar a evolução de todos os personagens, um de seus pontos mais fracos é justamente a trama principal: a eliminação de alienígenas conhecidos como borboletas. É ela que move todos os personagens para o objetivo final mas, a não ser por uma revelação importante, acaba sendo utilizada apenas como uma justificativa para as ações dos personagens.
É admirável que se tenha encontrado um equilíbrio entre humor, drama e ação que permite que o espectador realmente se divirta enquanto assiste cabeças explodindo, e se emocione ao perceber todas as camadas presentes na existência humana. Ela é, finalmente, a série que a DC e sua visão complexa de personagens merecia – mas com um filtro colorido e divertido, em oposição à visão esverdeada e sombria de Zack Snyder em Liga da Justiça.
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